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Voluntário da Pastoral Carcerária há 45 anos, Miguel Feldens leva conforto e ajuda a presos
Créditos foto: Lauro Alves/Agência RBS Full Width Post Format
Mesmo sem ter cometido um delito sequer em 76 anos de vida, seu Miguel dedica-se a aconselhar detentos, os primeiros tempos foram em Rio Grande, onde permaneceu por 23 anos. Depois, seu Miguel, como é conhecido nas penitenciárias do Rio Grande do Sul — ele já passou por quase todas —, foi parar em Lajeado, sempre no regime fechado.
Na cidade do Vale do Taquari, onde mora desde 1994 por opção da família, o bacharel em Direito não quis abandonar o ambiente prisional. Desde 1995, vai pelo menos uma vez por semana à carceragem do presídio estadual.
Miguel não tem pendências com a Justiça. Casado há 48 anos, com quatro filhos e sete netos, dedica-se voluntariamente há mais de quatro décadas a dar conselhos e apoio emocional e espiritual aos presos. E, se está "atrás das grades" — expressão que faz questão de utilizar —, é para ajudar os detentos a recomeçar a vida. 
Presidente da Pastoral Carcerária da Diocese de Santa Cruz do Sul, Miguel colocou os pés em um presídio pela primeira vez em 11 de novembro de 1971. Foi ouvir os presos da cela 22 da Penitenciária Estadual de Rio Grande, a convite de um padre. À época, trabalhava na rodoviária como caixa de segunda-feira a sábado.
Dos 21 detentos que estavam diante dele no intervalo do meio-dia daquela quarta-feira, quatro ou cinco dirigiram-se espontaneamente ao canto da cela para externar angústias. Inexperiente na função, seu Miguel limitou-se a seguir a recomendação do padre e amigo: "Não diga nada, ouça eles".
— Deixei falarem. Depois, saí pensando em tudo que ouvi — relembra.
Queixas e confissões, da injustiça do sistema ao abandono da família, serviram de combustível para seu Miguel voltar ao presídio de Rio Grande mais e mais vezes. Até que se tornou rotina e prazer:
— Os presos diziam que cabeça desocupada é oficina do diabo. Dei-me conta de que tinha de ocupar essa gente.
Ao deixar a cidade portuária e implantar na penitenciária de Lajeado o trabalho iniciado na década de 1970, o voluntário amadureceu tanto quanto os criminosos que ajudou. Palestras e trocas de conhecimento levaram-no a conhecer o Estado, o Brasil, a América do Sul e países como Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Itália, Suíça, Irlanda, Tailândia e México. 
Nesse último, em 1999, viveu uma de suas experiências mais intensas, durante o Congresso Mundial da Pastoral Carcerária, quando expôs para 53 países a voz dos detentos de Lajeado, algo inédito no evento.
Enquanto outros participantes exibiam artesanatos fabricados pelos detentos de suas regiões, ele surpreendeu:
— Dias antes, cheguei no presídio e disse para a turma que eu estava vindo ao congresso. Perguntei o que queriam que fosse discutido e pedi que colocassem em um papel.
Por 21 dias, condenado cuidou da casa do voluntário
As frases dos presos de Lajeado foram lidas e traduzidas em três idiomas na abertura do evento, para espanto até do idealizador da proposta:
— Escreveram sobre perdão, falaram em reconciliação, que Deus os tinha perdoado, mas que a sociedade não. Perguntavam como iriam voltar ao convívio social sem esse perdão.
Condenado a 14 anos por assalto cometido em Brasília, Rodrigo Fernandes é um dos presos de Lajeado que não esconde o afeto pelo homem mais altruísta que conheceu.
— Ele vem aqui e acredita na gente, no nosso potencial de crescer. Sempre procuro escutar o que ele passa para a gente — conta.
Acreditar nos detentos está na sua essência, uma vez que presencia o preconceito sofrido pelos presos. Além de conseguir emprego para inúmeros deles, até mesmo na sua residência — certa vez, entregou as chaves de casa por 21 dias a um preso do semiaberto enquanto passava férias na Bahia —, é um dos mentores do presídio feminino de Lajeado, erguido com verba da comunidade e que será inaugurado no dia 25, com capacidade para 72 mulheres.
— O sistema prisional no Brasil não funciona porque não ouve o preso. Ninguém quer saber por que ele foi para lá e o que precisa para sair uma pessoa melhor — argumenta.
O voluntário afasta a possibilidade de se aposentar tão cedo.
— Esse trabalho do seu Miguel é fundamental nos presídios. Aqui, ele já é de casa — diz a diretora da unidade de Lajeado, Jacinta Hammes, parceira na causa.
Autor: Marcelo Kervalt Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/11/voluntario-da-pastoral-carceraria-ha-45-anos-miguel-feldens-leva-conforto-e-ajuda-a-presos-8377672.html