Caros diocesanos. Esperamos que todos estejam bem de saúde, vivendo o mistério pascal na realidade da pandemia, que ameaça nossas vidas. Desejamos celebrar o Tempo Pascal com seu verdadeiro sentido: passagem da apreensão e insegurança, do sofrimento e até do temor da morte, para o alívio de dias melhores, de mais segurança na saúde, de celebração do recomeço da vida normal e, porque não dizer, da vida nova que deverá surgir a partir da experiência que estamos fazendo, pois temos muito a aprender. A experiência de reclusão em nossas casas nos desafiou a descobrir novas maneiras de convivência humana, e as dificuldades de nos reunirmos nas igrejas nos fez revalorizar mais a presença do Senhor entre nós de outras formas, especialmente, quando nos reunimos em seu amor, como família orante: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali eu estarei, no meio deles” (Mt 18, 20). Sempre é tão confortante, quando professamos: “Ele está no meio de nós!”. O Senhor se faz presente na caridade dos irmãos que se doam pelos outros, sobretudo os necessitados: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes pequeninos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40).
Entre os meios privilegiados de encontro com o Senhor, a Palavra de Deus deve receber destaque particular, pois é Deus mesmo que fala quando se leem as Sagradas Escrituras na Igreja (Cf. SC 7), tornando a Palavra viva, eficaz e eterna (Cf. Is 55, 10-11; Hebr 4, 12; 1Pd 1, 23; 1Tess 5, 24). Em nossos templos, mesmo de portas fechadas, celebramos a Liturgia oficial, inclusive os mistérios da Semana Santa, em forma mais privativa, mas com profunda fé e espírito de comunhão, pois rezamos com e pelo Povo de Deus. Muitos fiéis nos acompanharam pelos diversos meios de comunicação, usados com mais ou menos criatividade e riqueza de simbolismo, seja nos templos quanto nas casas; sem ignorar que também apareceram eventuais extravagâncias midiáticas que, em vez de ajudar, prejudicam a Liturgia da Igreja.
Diante do fenômeno do coronavírus, fomos desafiados a dar respostas celebrativas, mesmo que o distanciamento físico afetasse aspectos essenciais de nossa Liturgia, sobretudo a participação comunitária. A experiência atual nos coloca uma importante pergunta: - Uma celebração assistida na TV ou pelas Redes Sociais tem o mesmo valor que a participação presencial num ato litúrgico na comunidade ou mesmo celebrações em nossas casas?
Creio que nossa resposta deve iniciar dizendo que todas as formas podem ser importantes e certamente têm seu valor; mas, ao mesmo tempo, não podemos afirmar que “tudo é a mesma coisa”. Há graus de participação que são diferentes e consequentemente também de valor:
Primeiro grau: Esta forma está mais ligada ao assistir uma celebração por TV ou Redes sociais. O assistente normalmente não se sente tão envolvido e comprometido com o ato litúrgico. Sua participação não é tão ativa e plena por não estar presente com os outros. Não se nega com isso que esta forma também possa trazer frutos espirituais (meditação, oração, comunhão espiritual, catequese...).
Segundo grau: São as formas que recuperam o valor da oração em comum, realizada na casa (família), de modo especial ao redor da Palavra de Deus. Certamente vale mais celebrar, mesmo se em grupo reduzido, do que simplesmente assistir celebrações. Louvamos as iniciativas de reflexão e oração em torno da Sagrada Escritura. Aqui se destaca a importância dos diversos subsídios regionais, diocesanos e paroquiais, que valorizam a Bíblia e sua Leitura Orante, destacando temáticas diocesanas ou outras.
Terceiro grau: Esta é a forma normal e mais valiosa, pois ela acontece na comunidade-Igreja, à qual as pessoas estão ligadas pelo batismo. É o encontro com Deus e os irmãos e irmãs. É o lugar da comunhão e participação mais plena. Ali os cristãos alimentam a sua fé, sua comunhão com o projeto diocesano e da Igreja Católica Universal.
Atualmente não podemos rezar plenamente na comunidade. É um tempo de exceção e por isso nos esforçamos para fazer bem aquilo que é possível, mesmo não sendo o normal ou o ideal para os cristãos. O normal é celebrar com a comunidade. Por isso, quando a pandemia passar, deveremos voltar com saudade humana e de fé para a comunidade. É lá que nos alimentamos com o Pão da Palavra e o Pão da Eucaristia. É lá que se reúnem os convertidos para “perseverar no ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2, 42). É lá que nos abastecemos para testemunhar Jesus Cristo em nossa vida.
Por analogia, podemos abordar aqui também a catequese em nossas comunidades, seja para o Batismo, a Eucaristia ou a Crisma. No tempo de pandemia, inevitavelmente, também surge a pergunta sobre a continuidade do processo catequético. Também aqui devemos considerar que estamos numa época de exceção, em que precisamos adaptar-nos à realidade que, no momento, é de isolamento social, ou seja, devemos evitar maiores concentrações ou reuniões de grupos. Assim sendo, a catequese não tem sequência normal. Há, portanto, um intervalo dos encontros. É elogiável que catequistas mantenham outras formas criativas de contato, sobretudo pelas redes sociais. No entanto, esta realidade causada pelo coronavírus não nos autoriza a fazer adaptações simplórias com o objetivo de “legalizar” a preparação aos sacramentos na comunidade. Dessa forma estaríamos contradizendo os princípios fundamentais de todo processo de Iniciação à Vida Cristã, os quais a Igreja propõe e nós estamos realizando na diocese. Deve ficar bem claro, sobretudo em tempos de pandemia, que a catequese não pode ser apenas memorização de conteúdo, combinação de tarefas cumpridas em casa ou mesmo com simples acompanhamento de vídeos, com caráter de metodologia escolar.
O processo da catequese deve ser acompanhado pelo caráter litúrgico, orante e mistagógico. Uma verdadeira catequese tem que proporcionar uma experiência de Deus na vida cristã, em comunidade. Celebrar torna-se essencial na fé cristã, como acontecia desde os primórdios do cristianismo. A liturgia e a catequese são como duas irmãs gêmeas que andam juntas, pois são inseparáveis. Portanto, não basta a formação doutrinal ou individual, mesmo em tempo extraordinário de pandemia.
Caros catequistas, diante dos desafios normais de uma catequese qualificada, como acenamos acima, vivemos um tempo de pandemia que força interrupções no processo normal. Neste contexto, sentimos a responsabilidade de sermos cristãos criativos em nossas paróquias e comunidades. Com paciência, bom senso e com muita fé haveremos de encontrar o melhor caminho para os catequizandos que o Senhor e a comunidade nos confiam. Passado o tempo da pandemia, retornemos com nova motivação ao processo catequético normal, recuperando o que não foi possível realizar durante o intervalo forçado pelo coronavírus, mesmo que algumas datas tenham que ser reajustadas. O mais importante é a devida preparação dos catequizandos. Eles merecem o melhor!
Com saudações e bênção da saúde, vosso irmão-bispo.
Dom Aloísio A. Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul
SCS, 25 de abril de 2020