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Eucaristia: A caminho da Páscoa.

Créditos foto: Arquivo Pessoal

Estamos no ano da Eucaristia, a caminho da Páscoa. Na entrevista deste mês de abril, a Ir. Andrea Freire, monja beneditina do Mosteiro da Santíssima Trindade, OSB (Linha Travessa/Santa Cruz do Sul), convida-nos a embarcar nesta viagem e perceber a riqueza do mistério do amor de Deus revelado a nós ao longo da história da salvação. Nesta viagem, algumas paradas para curtir, aprofundar e fazer os registros das experiências. Passaremos pela quaresma, ceia pascal, lava pés, cruz e ressurreição de nosso Senhor Jesus. Embarque conosco. Aproveite cada momento e deixe gravado em seu coração cada momento. Queremos reviver, atualizar e celebrar estas vivências em cada celebração da Eucaristia.  
Pe. Zé Renato.
Que lugar ocupa a Eucaristia na história da salvação? 
Na verdade ela não ocupa um lugar. Toda a história da salvação está presente na Eucaristia e a Eucaristia está presente na História da Salvação. Ela aí está presente de três modos diferentes: No Antigo Testamento está presente como figura, ou seja: todo o Antigo Testamento era uma preparação da Ceia do Senhor. Sempre, desde o começo de seu envio, os profetas convidavam o povo de Israel para a Ceia do Senhor. Essa expectativa da Ceia, além do que disseram os profetas, apareceu mais claramente nas figuras e nos tipos, isto é, nos sinais ou ritos concretos que foram a preparação e quase um esboço da Ceia do Senhor. Uma dessas figuras foi o maná, lembrada pelo próprio Cristo (Ex 16,4; Jo 6, 31). Outra figura foi o sacrifício de Melquisedec que ofereceu pão e vinho. Uma terceira figura foi o sacrifício de Isaac. Dessas três figuras da Eucaristia, uma é mais do que uma figura. É a preparação e quase um ensaio dela: a Páscoa. É da Páscoa que a Eucaristia toma a fisionomia de banquete ou Ceia Pascal. É em referência à Páscoa que Cristo é chamado Cordeiro de Deus. A Páscoa hebraica era um memorial, (Ex 12,14) e era também uma expectativa. Mais precisamente: porque mataram Jesus durante uma festa de Páscoa, realizaram a figura e cumpriram o que se esperava há séculos. Imolaram o verdadeiro Cordeiro de Deus.   
Já na plenitude dos tempos, vemos a Eucaristia como acontecimento. Não é mais figura e sim a realidade. Essa grande novidade transparece esplendidamente na exclamação de são Paulo: “Cristo, nossa Páscoa foi imolado!” (1Cor 5,7). Por isso a Eucaristia pode ser chamada o “mistério antigo e novo. Antigo na prefiguração. Novo na realização” (Melitão de Sardes). Para o evangelista João a Páscoa cristã - portanto a Eucaristia - foi instituída na cruz, no momento em que Jesus, verdadeiro Cordeiro de Deus, foi imolado. No terceiro tempo da História da Salvação a Eucaristia está presente como sacramento, sob as espécies de pão e de vinho, instituído com as palavras: “Fazei isto em memória de mim”. 
Qual a relação entre a Quaresma e a Santa Ceia Pascal?  
A quaresma coincide com um tempo de purificação e iluminação para o acontecimento da Ceia Pascal. Esse período é chamado sacramento, segunda a visão teológica, uma vez que são sinais da graça, cuja eficácia deriva do fato de tornar presente o valor salvífico dos quarentas dias vividos por Cristo no deserto. Esse período não só tem a finalidade de preparar a Igreja para a Páscoa, mas de fazer com que esse mistério seja vivido na sua vertente da paixão e possa ser considerado e vivido sob a guia e como subida com Cristo para Jerusalém, a fim de partilhar o seu mistério pascal. É um novo êxodo, um retorno do exílio para Jerusalém isto é, da morte à ressurreição de Cristo. Antigamente a quaresma era o período durante o qual, através da penitência e purificação, os catecúmenos se preparavam para receber o batismo na noite da Páscoa. Entrando na quaresma a liturgia nos convida a renovar e a reavivar em nossos corações as disposições com que, durante a vigília pascal, pronunciaremos de novo as promessas de nosso batismo. Sendo assim, renovando os compromissos de nosso batismo na noite pascal, poderemos passar para a vida nova de Jesus, Senhor ressuscitado, para a glória do Pai, na unidade do Espirito Santo. 
O que entendemos por Tríduo Santo? 
Celebrar o Tríduo Sacro da paixão e ressurreição do senhor, é celebrar a obra da redenção humana na perfeita glorificação de Deus, que o Cristo realizou quando, morrendo, destruiu a nossa morte e, ressuscitando renovou a vida. É a Pascoa, nossa festa, centro do ano litúrgico. Fonte que alimenta nossa vida de fé. O Tríduo Pascal é a própria celebração pascal em três dias ou seja, a sexta feira santa da paixão, o sábado do seu repouso e o domingo da ressurreição. Estes três dias vão do começar pela missa vespertina da quinta-feira santa e terminam na oração da tarde de domingo de páscoa. O Tríduo forma uma unidade e como tal deve ser visto... Abarca tanto o lado sóbrio, quanto radiante, do mistério salvífico de Cristo. Sendo assim, o tríduo pascal pode ser comparado a um tríptico: três gravuras, cada qual representando parte da cena, e juntos formando uma unidade de forma que cada gravura é completa, mas precisa ser vista em relação com as outras. 
O que Jesus quis ensinar com o Lava-pés?  
No lava pés Jesus quis resumir todo o sentido de sua vida para que permanecesse para sempre na lembrança dos discípulos esse seu gesto, posto como conclusão dos evangelhos nos quais mostra que toda a sua vida foi um lava pés, isto é, um serviço aos homens. É significativo o fato de João não referir os gestos rituais do pão e do vinho, como os outros evangelistas. Salienta somente o gesto de Jesus lavando os pés dos discípulos e deixando, como testamento em palavras e exemplo a fazer o mesmo entre os irmãos. Ao agir assim Jesus nos deu um exemplo de uma vida dedicada aos outros, uma vida feita pão partido para o mundo. Aí Jesus instituiu a diakonia, isto é, o serviço e o põe como eixo fundamental, como estilo de vida e modelo para a igreja em todos os seus empreendimentos. O gesto simbólico do lava pés expõe o significado da vida e morte de Jesus. Nesta visão, desaparece a fronteira entre a vida e a morte do Senhor, que aparecem como um único ato no qual Jesus, o Filho, lava os pés sujos dos homens. O senhor aceita e executa o serviço de escravo, pratica as tarefas mais humildes para tornar-nos aceitáveis à mesa, comunicáveis entre nós a fim de habituar-nos ao culto, à vizinhança com Deus. Sua vida torna- se transparente e revela o ato de amor até o fim... O único capaz de torná-lo limpo. Em síntese, conforma- se também com o sofrimento, no ato divino humano do amor, que como tal é a purificação, a libertação da pessoa humana.  Ao celebrar a quinta feira santa Jesus nos deixa o seu testamento de amor. 
Eis duas grandes provas de amor dadas por Jesus: Eucaristia e lava pés. Uma vez que não podemos imitar o dom eucarístico (o de morrer por alguém) feito pelo Senhor, podemos e devemos ao menos imitá-lo no exemplo do lava pés, na caridade e no serviço de nossos irmãos. 
O que torna a Aliança feita por Deus com o povo de Israel uma realidade ainda hoje, na celebração do povo cristão? 
Foi na ceia, expressamente na instituição da eucaristia que para os evangelistas se cumpriu a passagem da antiga à nova páscoa. Sob esta luz, o gesto de Jesus, de partir o pão e instituir a Eucaristia na última ceia, é a suprema ação simbólica e profética da história da salvação. Ao instituir a Eucaristia, Jesus antecipa sacramentalmente o que vai acontecer no futuro da história. Graças à Eucaristia nós nos tornamos misteriosamente, contemporâneos ao acontecimento da Nova Aliança. Na liturgia da noite pascal, os hebreus do tempo de Jesus diziam: Em todas as gerações cada um deve considerar-se a si mesmo presente, como se estivesse pessoalmente saindo do Egito. Aplicando a nós cristãos, este texto nos diz que cada um de nós, em todas as gerações deve considerar se a si mesmo presente debaixo da cruz, naquela tarde, junto a Maria e João. Os sacramentos da Igreja, e de modo especial a Eucaristia, são possíveis por causa do espirito de Jesus que se faz presente na vida da igreja. Pelo rito e pela fé, somos realmente transportados, com nossos pés teológicos, ou seja com os pés da fé, ao calvário e ao túmulo do ressuscitado. Atualização significa exatamente isso: Quando celebramos a Eucaristia, no sinal do pão e do vinho, comemos o verdadeiro cordeiro pascal-Jesus Cristo e renovamos a Aliança. 
Como vivenciar melhor a Eucaristia no tempo da Quaresma e do Tríduo Santo? 
O tempo da quaresma é um momento muito rico na Igreja onde damos uma pausa em nossa vida, assim como Jesus em seus quarenta dias no deserto parou para se colocar diante de Deus, frente à sua missão. O quinto prefácio da quaresma, eu penso, nos ajuda a responder melhor a essa pergunta. Eis o que diz: “Enquanto caminhamos para a páscoa, seguindo as pegadas de Jesus Cristo, vosso filho e senhor nosso, mestre e modelo da humanidade reconciliada e pacificada no amor. Vós reabris para a igreja, durante esta quaresma, a estrada do êxodo, para que ela, aos pés da montanha sagrada, humildemente tome consciência de sua vocação de povo da aliança. E celebrando os seus louvores, escute vossa palavra e experimente os vossos prodígios”. 
Qual a ligação entre a última Ceia, a Cruz e a Ressurreição de Jesus? 
O evento da Última Ceia consiste em Jesus distribuir o seu corpo e seu sangue, ou seja, a sua existência humana, doando-se a si mesmo. O evento da última ceia é a transformação da morte em um ato de amor. A morte que por sua natureza é o fim. A destruição de toda relação, é por Ele transformada num ato de comunicação de si, significando que o amor vence a morte. A Ceia sem a realização concreta da morte antecipada seria sem realidade. Portanto Ceia e Cruz, juntas são a única e indispensável origem da eucaristia. A eucaristia é a presença do sacrifício de Cristo, deste supremo ato de adoração, que é ao mesmo tempo ato supremo de amor: “nos amou até o fim’ (Jo 13,1) Não é somente a Ceia e Cruz que são indissolúveis. Ceia, Cruz e Ressurreição formam o único mistério pascal. A teologia da cruz é a ressurreição, porque a cruz é a proposta divina e a interpretação divina da Ceia. A ceia foi a antecipação da morte violenta, que é a cruz. Sem o gesto da ceia a realidade da cruz permaneceria vazia. 
Por que não se celebra a Eucaristia na Sexta-feira Santa? 
O santo sacrifício é nesse dia omitido, desde os tempos mais antigos, porém os primeiros cristãos não queriam renunciar à comunhão. Na missa da véspera eram consagrados, por isso, vários pães e conservados para a celebração da sexta-feira santa. A ausência de fato do sacrifício eucarístico nesse dia nos faz compreender a íntima relação entre sacrifício do calvário e a missa. Cristo morreu por nossos pecados uma vez por todas, seu sacrifício é único e autossuficiente. Mas o memorial dessa morte e sacrifício celebra-se em todas as missas: Cristo é nosso alimento sacrifical. Receber o seu corpo e seu sangue é entrar em sua disposição de total oferecimento em sacrifício ao Pai, é ser atraído para o mesmo momento do sacrifício amoroso de Cristo, eis o que significa a participação em nível mais profundo. Nossa comunhão na sexta feira, portanto proclama e testemunha a paixão e morte do Senhor e nos capacita a participar no nível mais profundo do sacrifício de Cristo. 
O que a celebração do Tríduo Pascal provoca em nossa vida cristã?  
Vivenciar momentos tão densos introduz em nossas vidas novos critérios de afirmação de nossa identidade cristã. Nós refletimos sobre o significado de cada rito, de cada leitura, de cada gesto litúrgico e nos perguntamos que atitude nova eles nos pedem em relação à nossa vivência pessoal e aos nossos relacionamentos com a diocese, com a paróquia, com nossa família, em nossas relações de trabalho e com todas as pessoas: os pobres e os ricos, aos nossos irmãos na fé, aos que não têm fé, às pessoas de bem e aos marginais. Todos aqueles pelos quais Cristo se ofereceu e derramou o seu sangue. Provoca-nos a buscar mais o estudo de nossa riquíssima Tradição teológica e litúrgica. 

Autor: Ir. Andrea – Mosteiro da Santíssima Trindade (Lª Travessa).
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