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"Uma Campanha em favor da Educação": Entrevista com Dom Leomar Brustolin.

Créditos foto: CNBB / Arquivo

“Fala com sabedoria e ensina com amor”. Um dos grandes desafios para todos nós, nos dias de hoje, é a educação. A dificuldade começa na família, passa pela escola, chega nas igrejas, se acentua na sociedade, na política, nas relações interpessoais... Por isso, um desafio de todos e para todos, que exige um grande mutirão, um verdadeiro pacto, uma intensa campanha pela educação
A Igreja no Brasil, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), decidiu dar a sua contribuição e chamar todos à responsabilidade, ao escolher como tema da Campanha da Fraternidade 2022, “Fraternidade e Educação”.
Para nos ajudar, provocar e iniciar nesta reflexão, a Revista Integração solicitou a generosa contribuição de Dom Leomar Antônio Brustolin, Arcebispo Metropolitano de Santa Maria, membro da Comissão de Doutrina da Fé da CNBB e Bispo Referencial para a Cultura e Educação do Regional Sul 3 da CNBB.
Pe. Zé Renato

"Fraternidade e Educação": O que a educação tem a ver com a fraternidade?
Para o Cristianismo educar é um processo que envolve todo o ser da pessoa em comunidade. Pela educação, deve-se proporcionar um projeto de sociedade que vise à ação transformadora e que conquiste vida digna para todos. Trata-se de humanizar e personalizar cada ser humano ao longo de sua existência para que exerça sua cidadania em sentido amplo. Educar para a fraternidade significa aprofundar o sentido dos processos de aprendizagem que desenvolvem o senso de liberdade e o direito à igualdade, destacando o senso fraternal, pois se faltar a fraternidade, não será possível uma educação integral.

É correto dizer que a educação vem da família ou, como outros afirmam, "vem do berço"?
Em primeiro lugar, a educação começa em casa, com a família. Não é possível delegar à escola a responsabilidade de formar cidadãos éticos e íntegros se, em casa, a criança e o jovem recebem, diariamente, lições contrárias. O respeito, a dignidade e o cuidado são valores ensinados em família. Se ela não cumprir seu papel, dificilmente a escola conseguirá suprir essa lacuna. Poderá ajudar a rever algumas posturas, mas de forma insuficiente.  Tanto na escola quanto na família, emergem desafios que as crianças e os jovens estão pedindo atenção. É preciso maior proximidade, caso contrário, eles se isolarão nas “ilhas paradisíacas” das redes sociais. Pedem para ser mais escutados em suas necessidades, seus medos e seus sonhos, caso contrário, pais e professores lhes serão estranhos e até adversários. Quando eles não percebem uma relação de confiança, tendem a se fechar e a procurar outros referenciais. É urgente entender que, apesar da importância do trabalho e da remuneração, não há dinheiro que pague o tempo gasto por um pai e uma mãe que se dedicam aos seus filhos.

Ao lançar o pacto educativo, o Papa Francisco lembrou que, em uma determinada tribo africana, existe a afirmação de que "para educar uma pessoa é necessária toda uma aldeia".  Quem faz parte dessa aldeia na atual sociedade?
O ditado africano, colocado na Fratelli Tutti, no contexto do Pacto Educativo Global, indica que todos precisam cooperar, buscando iniciativas que criem, que ajudem os governantes a priorizar a educação integral em nosso país. Urge repensar as escolhas que estão sendo feitas e o modelo de sociedade e de pessoa humana que estamos formando.  Por exemplo, o Brasil, no contexto da Pandemia do Covid-19, foi o país que mais tempo de aula perdeu. Foram mais semanas sem aula. O que mais merece ser analisado é que a sociedade brasileira não reagiu muito com essa perda de aula. A tribo é uma metáfora para dizer que todos precisam se envolver. Urge que se crie um projeto educativo capaz de pensar uma proposta que envolva todas as pessoas da sociedade em vista de uma formação integral e solidária.

"Antes de educar alguém na fé, é preciso educá-lo para ser pessoa". O que isso implica para os cursos de formação promovidos pela Igreja, para a Catequese e para as nossas celebrações?
Para a filósofa e educadora Edith Stein, martirizada em Auschwitz-Birkenau e canonizada como Santa Teresa Benedita da Cruz, “educar significa guiar outros seres humanos, de modo que eles se tornem aqueles que eles devem ser. Não se pode fazer isso, portanto, sem saber o que é o ser humano”. Isso ocorre porque o ser humano não vem ao mundo acabado. Ao longo de sua vida, deve se construir e se renovar num processo permanente de transformação, sem alcançar um estado definitivo ao longo da vida. A incompletude torna-o sociável e educável e implica a responsabilidade da comunidade na formação de seus membros.  A patologia dessa condição faz o ser humano se sentir independente de todos, ensimesmado. Fechado em si mesmo, não aprende mais. Em nossas paróquias todas as nossas atividades e cursos deveriam se ater a práticas e metodologias que visassem ao crescimento da pessoa em comunidade, tornando-a cada vez mais cordial, hospitaleira e cuidadora, especialmente dos mais pobres e carentes. Caso contrário, aprendemos pouco das lições do Evangelho.

 "Uma das maiores pobrezas do Brasil é a pobreza cultural". Será que a proposta do novo ensino médio vai ajudar a eliminar essa pobreza?
Certamente carecemos de um projeto educativo capaz de garantir uma educação de qualidade e que tenha como sustento uma visão humanista integral. É o que bem alerta o n. 328 do Documento de Aparecida: “Na verdade, as novas formas educacionais de nosso continente, impulsionadas para se adaptar às novas exigências que vão se criando com a mudança global, aparecem centradas prioritariamente na aquisição de conhecimentos e habilidades e denotam um claro reducionismo antropológico, visto que concebem a educação preponderantemente em função da produção, da competitividade e do mercado. Por outro lado, com frequência, elas propiciam a inclusão de fatores contrários à vida, à família e a uma sã sexualidade. Dessa forma, elas não manifestam os melhores valores dos jovens nem seu espírito religioso; menos ainda, ensinam-lhes os caminhos para superar a violência e se aproximar da felicidade, nem os ajudam a levar uma vida sóbria e adquirir aquelas atitudes, virtudes e costumes que tornariam estável o lar que estabelecessem, e que os converteriam em construtores solidários da paz e do futuro da sociedade.”

Quais são as expectativas em relação ao Pacto Educativo Global, proposto pelo Papa Francisco?

A fé cristã, desde as suas origens, se dedicou à educação. Escolas, universidades e projetos educativos foram fundados por cristãos e até hoje se constituem como eixos determinantes da presença dos discípulos de Jesus Cristo no mundo. Tal seguimento, porém, faz do educador cristão alguém especialmente dedicado a promover o humanismo integral, com uma paixão diferenciada pelo ser humano. O Pacto Educativo Global significa um novo tempo na educação a partir do magistério do Papa Francisco. Ele nos convoca a unir forças para uma educação integral e inclusiva, com uma escuta paciente de todos os atores do processo educativo. Ele propõe que se estabeleça um diálogo construtivo, no qual a unidade supere o conflito. No caso do Brasil, a preocupação é tornar a educação acessível a todos, especialmente à população mais vulnerável, qualificando as escolas públicas e garantindo que todas as pessoas possam crescer em suas multidimensões.

O que as paróquias podem fazer para aproveitar, ao máximo, a riqueza da Campanha da Fraternidade de 2022?

Nossas paróquias e dioceses têm vasta experiência em formar discípulos missionários. Isso têm grande valor. Igualmente, há múltiplas iniciativas de educação popular, economia solidária e compromisso com a Casa Comum. O que a Campanha da Fraternidade de 2022 pode despertar, entretanto, é uma atenção especial para a gravidade do cenário educativo no País com a pandemia da COVID-19. Há desafios que se agravaram e interpelam nosso testemunho cristão. Por exemplo, um relatório da Unicef, publicado em janeiro de 2022, indica que uma em cada 10 crianças no Brasil não pretende mais voltar à escola. Igualmente aumentou de 53% para 70% o índice de dificuldade de alunos do Ensino Fundamental de ler e interpretar textos. Situações como ansiedade e depressão, entrada precoce no mercado de trabalho informal e fome, porque ficaram sem merenda escolar por quase dois anos, são dados que nos interpelam. Assim, a catequese, os cursos de formação e outras iniciativas precisam considerar esses desafios e encontrar caminhos para compensar as perdas. Urge superar, também, uma falsa ideia de que a atual geração de estudantes está perdida por serem, os jovens, vítimas da pandemia. O cristão jamais desanima do ser humano, pois o Cristo se encarnou nessa condição humana marcada por tantas misérias e pecados para salvar o mundo. Enquanto tem vida, tem jeito.

Autor: Pe. Zé Renato
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