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Uma experiência de Missão em Moçambique

Créditos foto: Arquivo Pessoal

“O melhor lugar do mundo é onde eu posso amar e ser amado”
“Batizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo”. Com este tema, o Papa Francisco proclamou outubro 2019, o mês Missionário Extraordinário, com a finalidade de alimentar o ardor da atividade evangelizadora da igreja ad gentes.
Para aprofundar a nossa dimensão missionária a partir do batismo, a Revista Integração convidou a jovem Vitória Holzbach (28 anos) para contar um pouco da sua linda experiência missionária em Moçambique, durante três anos. Jornalista, missionária, natural de Passo Fundo, Vitória concluiu o curso de Jornalismo na Universidade de Passo Fundo, em 2012. Em setembro de 2016 partiu em missão para a Arquidiocese de Nampula, em Moçambique, onde permaneceu até julho deste ano. Uma preciosa entrevista.

Victória, o que motivou você a viver a experiência Missionária em Moçambique?
Minha motivação partiu essencialmente do Evangelho, da vida de Jesus. A Igreja que eu acredito e vivo é uma Igreja atenta e preocupada com a realidade do seu povo, especialmente aqueles que mais sofrem. Isso sempre esteve em mim.
Não só por ser católica, mas jovem, mulher, parte de uma sociedade, sempre me percebi responsável pela construção de uma realidade melhor para quem não tem as coisas e possibilidades que eu tive e tenho. Quando percebi que o meu amor e a minha ação eram fundamentais pra construir e viver o que eu acreditava, algo bom e melhor para todos, assumi esse compromisso.
Trilhando este caminho, compreendi que apenas viveria tão feliz quanto esperava quando deixasse de lado as expectativas dos outros e me desafiasse a sair de mim e de tudo que sempre concebi como mundo. Assim, decidi ser missionária.

O que você conhecia do projeto missionário da Igreja do Regional Sul 3 e de Moçambique?
Sabia que a Igreja do Rio Grande do Sul mantinha um projeto de missão ad gentes em Moçambique, mas até então não tinha clareza da possibilidade do envio de leigos e leigas para lá. Além disso, tive contato muitas vezes com o projeto Igreja-Irmã da minha Arquidiocese, que mantém o apoio e cooperação missionária com a Diocese de Balsas, no Maranhão.
Desde que comecei a participar mais ativamente das instâncias arquidiocesanas e regionais, sempre ouvi falar dos projetos missionários.

Durante os preparativos e a longa viagem a Moçambique, o que se passou em seu coração?
Na preparação para este tempo da missão, compreendi que missão é serviço. E servir com amor. Primeiro servir no sentido de se colocar à disposição às necessidades do outro, mesmo que talvez não seja aquilo que eu ache que é necessidade. Aí entra o amor. Compreender o que o outro precisa e oferecer o que tens na gratuidade. As necessidades de cada um, os anseios, as angústias e as alegrias também se tornam meus quando me disponho a caminhar lado a lado. Eu me faço, me construo, me reconheço quando me encontro no outro.
Fui para servir a partir da realidade e não do meu desejo. Um novo mundo se constrói quando somos capazes de compreender, com compaixão e empatia, a cultura, a religião, os costumes, as opções e os contextos sociais, políticos e históricos de um povo.
Tinha medo, angústias, um monte de perguntas. Entretanto, em grande parte do tempo, sempre me alegrei pela confiança de poder construir, em Moma, novos caminhos.

E qual o primeiro sentimento ao pisar em terras Moçambicanas?
Quando cheguei, fui recebida com cantos, batuques, palmas e sorrisos na comunidade missionária da Igreja do Rio Grande do Sul, em Moma. Lembro que minha primeira impressão foi a alegria desta acolhida. Cada mão estendida, nos lugares que chegava, me ajudou a compreender que minha vida era útil e ganhava sentido no olhar ainda curioso daqueles que me acolhiam.
Se tem uma coisa que aprendi é que aqueles que pouco ou nada têm a perder são ótimos anfitriões.

Como você descreve o rosto deste povo?
Com o tempo descobri que, quando comemos com eles, sentamos à sombra de cajueiros e mangueiras, caminhamos em suas trilhas e partilhamos seus alimentos, podemos perceber seu dom de transformar a angústia em esperança.
Rostos de superação, alegria, fé e vida. Histórias marcadas pelas guerras, a da independência e a civil, ainda muito recentes e frescas na memória. As crianças sempre cheias de criatividade, de desejo de brincar, aprender e um monte de curiosidade. As mulheres, grandes guerreiras de uma sociedade machista, responsáveis pela busca de água no poço e lenha no mato, pela cozinha, pela limpeza, pelo cuidado com as crianças e pelo cultivo da terra. Ainda assim, seguem fortes seus caminhos, estrada a fora, desfilando com o balde de água na cabeça.

Fale um pouco sobre a religiosidade, as celebrações, a vida de fé deste povo.
Uma das belezas da missão junto ao povo macua é o desejo de inculturar-se. As missas são celebradas na língua local, animadas por batuques e dançarinas vestidas de capulanas e lenço na cabeça.
A fé celebra a vida, os produtos plantados e colhidos, a seca e a chuva, o dia e a noite, o fogo e o vento, a abundância da água ou a falta dela.
As celebrações são sempre motivo de encontro com a comunidade e, por isso, todos se saúdam no início e no fim. As visitas são acolhidas com grande alegria e respeito e recebem o que cada um tem de melhor para oferecer.

Você poderia partilhar sobre alguns desafios enfrentados?
O primeiro foi, sem dúvida, a língua. O macua não parece com nada que conhecemos e até se convencer que é realmente necessário aprender, o tempo já correu.
Outro é aprender a conviver com a dor da doença, da falta de acesso à educação, da morte e com tantas realidades de sofrimento. Além disso, entender o que eu posso fazer para ajudar naquele momento ou, em médio prazo, para mudar aquela realidade, e o que não está em minhas mãos.

Nesses três anos de missão, que lições ficam para a sua vida?
A grande lição é que o melhor lugar do mundo é onde eu posso amar e ser amado. E a simplicidade dá mais espaço ao amor. Ele precisa de pouca coisa pra existir a não ser da vontade e do compromisso das pessoas. O amor compromete, e isso é lindo.

Qual a grande pergunta que esta experiência deixou em seu coração?
Depois que conhecemos o Evangelho, o testemunho da vida de Jesus, qual o nosso compromisso com a realidade que vivemos?

A partir dessa experiência missionária, qual o seu projeto de vida? 
Confesso que ainda não tive tempo para discernir e compreender o meu projeto e o desejo de Deus para mim nesse momento da volta da missão. Mas a experiência destes três anos me fez compreender ainda mais que todo lugar é espaço e todo dia é tempo para missão. Quero dizer, sempre, onde eu estiver, vai haver alguém precisando de mim, de uma maneira ou de outra. Quando nós vivemos o compromisso de amar, esse amor está em tudo e o nosso olhar se torna atento sempre.

Mais alguma palavra aos leitores da Revista Integração?
A experiência de Jesus na revelação do Reino de Deus foi de rejeição por parte da elite política, econômica e religiosa da época. A acolhida da boa-nova aconteceu nos pobres, vulneráveis e excluídos.
Hoje, esse mesmo Reino é a nossa luta por igualdade, justiça e paz. Como há dois mil anos, o anúncio não se dá nos megaprojetos de um suposto desenvolvimento, ou pelos grandes intelectuais. Nem pelas bocas dos patrões ou governantes. Quiçá por nós, missionários.
Acostumados a desqualificar ou minimizar os conhecimentos e as práticas dos povos tradicionais, ainda temos muito que aprender neste caminho rumo à plenitude do bem viver. A terra sem males que sonhamos e esperamos é proclamada a cada dia na vida dos pequenos.
Nessa reciprocidade, a vida acontece plena no amor espontâneo, solidário e gratuito. No encontro com o outro me reconheço, me formo, me somo e me completo.
Sou quem sou porque somos todos nós e, por amor, somos um.

Autor: Pe. Zé Renato Back
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