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Diante das notícias sobre o Sínodo da Amazônia, um dos contatos me alertou de que a Igreja deve se preocupar em “salvar almas” e não se envolver em assuntos que dizem respeito às “mudanças climáticas, situação dos povos indígenas e desmatamento”. Não o culpo por isso, porque no tempo da cristandade, o discurso da Igreja Católica foi este mesmo. Os resquícios são encontrados nas cruzes missionárias junto a muitas igrejas com os dizeres: “Salva a tua alma”. Batizavam-se os indígenas e os escravos trazidos da África para que suas almas fossem salvas e se entendia que a igreja tinha cumprido com a sua missão.
A mudança ocorreu na primeira metade do século XX e foi selada no Concílio Ecumênico Vaticano II. Em 1962, Dom Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre, escreveu: “Os governos despóticos gostariam e sempre exigiram que a Igreja só falasse no recinto fechado dos templos e sempre sobre o céu e o inferno e se restringisse a promover piedosas orações. Mas a doutrina cristã tem repercussões irreprimíveis em todos os atos e setores da vida humana”. Em 1965, ao final do Concílio Vaticano II, os bispos e o Papa Paulo VI decretaram: “É a pessoa humana que deve ser salva e a sociedade humana que deve ser renovada. Por isso, o eixo da nossa missão será o homem, em sua unidade e integridade de corpo e alma, de coração e consciência, de mente e vontade” (GS, n. 3).
A adoção deste princípio foi uma volta às origens da fé cristã, onde Jesus Cristo pediu aos seus seguidores que dessem de comer a quem tem fome, dessem de beber a quem tem sede, vestissem os nus, acolhessem os migrantes, cuidassem dos enfermos, visitassem os que estão na prisão, usassem de misericórdia com os faltosos e fossem mensageiros da paz. “Semelhantemente a Cristo que foi enviado pelo Pai para anunciar a Boa-Nova aos pobres e dar liberdade aos oprimidos, a Igreja cerca de amor todos os que são afligidos pela fraqueza humana e até reconhece nos pobres e nos sofredores a imagem de seu fundador, pobre e sofredor, esforça-se por mitigar sua pobreza e neles procura servir a Cristo” (LG n. 8).
Centenas de anos antes do nascimento de Jesus Cristo, o autor do 1º livro da Bíblia escreveu: "O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Édem para cultivá-lo e guardá-lo" (Gn 2,15). Ao homem foi dada, portanto, a incumbência de cuidar o jardim do mundo.
Em base a estes ensinamentos, a Igreja deixou de falar em “salvar almas” para falar em “salvar pessoas”. Retomou-se o princípio romano: Mens sana in corpore sano (mente sã num corpo são). A pessoa é corpo e alma, matéria e espírito. Não se pode tratar o espírito sem cuidar do corpo e não se pode cuidar do corpo sem atentar para o espírito.
Voltando agora ao princípio do artigo, respondo ao meu inquiridor: se a Igreja quiser salvar a alma dos indígenas e dos habitantes da Amazônia, ela precisará zelar por sua vida. E, para zelar pela sua vida, ela deverá se comprometer em cuidar do meio ambiente, protegendo as matas, zelando pelas águas e combatendo o aquecimento global. Não se salvam almas desencarnadas.