Créditos foto: Vanderbilt Divinity Library
Muitas pessoas já ouviram falar de que no tempo das perseguições ou nos primeiros séculos o Cristianismo no Império Romano teve que viver escondido. Ao longo da história posterior, mesmo sendo predominante e oficial em muitos lugares, sempre de novo houve perseguições e restrições às manifestações públicas da fé. Até os dias de hoje ainda existem lugares e países onde pessoas cristãs precisam viver a sua fé às escondidas.
Depois das recentes medidas, determinadas por aquilo que pode ser a maior pandemia de todos os tempos, nos últimos dias e semanas, todas as pessoas entraram em estado de “catacumba”. Cada pessoa, grupo e família precisa aprender a viver a fé sem se reunir em comunidade. A fé consiste em relacionar-se pessoalmente com o Mistério Divino. Essa relação, no entanto, não é individual, “no sentido de cada um para si”, mas se realiza necessariamente na comunhão com outras pessoas, sendo Igreja, comunidade. Ora, a dimensão pessoal, precisa de um determinado ambiente, um certo isolamento, que no dia a dia das tarefas e da convivência superficial facilmente fica a meio caminho.
Em tempos de perseguição, assim como em contexto de multiplicação de tarefas, até para estar em comunidade, é necessário ter uma forte estrutura pessoal. Escolher os afazeres realmente importantes e vitais, para deixar espaço à prática religiosa comunitária, muitas vezes é difícil. É mais fácil encher-se de compromissos e diversões do que reconhecer critérios de hierarquização. Até há poucas semanas parecia indispensável abrir negócios aos domingos e fins de semana, sem interrupção e sem atenção às funcionárias e aos funcionários; parecia impossível ficar em casa, ficar longe dos shopping centers, dos barzinhos ou das praças, e ocupar-se com as pessoas mais próximas, ou mesmo com a fé. De repente, foi preciso aceitar a escolha da vida como a coisa mais importante. A comunidade mudou de figura; a Igreja adquiriu outro sentido. Em lugares ou tempos de perseguição, além da ameaça externa contra toda reunião ou encontro de fé, para viver em comunidade exige-se confiança mútua, certeza de que ninguém vai trair, mas também aceitação do risco da fraqueza. Por isso, apenas quem está enraizado no Mistério Divino Trinitário, através de Jesus Cristo no Espírito Santo, pode enfrentar o perigo de vida por causa da fé. Assim como na perseguição, também o isolamento, imposto pela pandemia do Covid-19, requer uma volta à reconstrução e valorização da estrutura pessoal da fé.
O cuidado da vida das outras pessoas, tornou-se um valor tão necessário que todos são chamados a uma reorganização radical de suas existências e rotinas. O mundo foi comprimido para dentro de casa ou do barraco, e Deus saiu da igreja e dos templos para se diluir nas irmãs e nos irmãos de perto e de longe. As lideranças da Igreja são obrigadas a refazer sua concepção de pastoral a fim de ir ao encontro das situações de cada fiel. Ao mesmo tempo, as pessoas batizadas, os chamados “fieis leigos”, descobriram sua responsabilidade na manutenção da fé. Já não existe um lugar onde se pode “consumir” a vivência religiosa, mas o ambiente em que se vive, e se vive de forma compacta, é o lugar onde se crê.
O que virá depois? Como será o depois?
Em vésperas de Pentecostes, ainda fechados em nossos “Cenáculos”, por dever do medo ante a ameaça real contra a vida, o isolamento se tornou uma longa novena. O Pentecostes 2020 será uma oportunidade para descobrir a verdadeira coragem necessária para o que virá depois. A coragem é diferente da temeridade. Temeridade é risco que atenta contra o Mistério Divino, expondo abusivamente a vida de outras pessoas à doença ou à morte prematura. A temeridade despreza as vidas frágeis e manifesta o genocídio e a eugenia. A coragem defende a vida e a saúde de todas as idades, etnias, culturas e condições morais de qualquer ser humano e da natureza. O Espírito Santo, sempre atuante e presente na história e na vida humana é proclamado como “Senhor que dá a vida”, que é o vínculo da caridade, aquele por quem deixamos “de ser escravos, para recair no temor”, tornando-nos, em vez disso, filhos adotivos que clamamos Abba! Pai! (cf. Rm 8,15). O Espírito enche o isolamento de vida, e permite reinventar o ser Igreja, na simplicidade, no luto e na solidariedade, com novos rituais, novas formas de evangelização e novas estruturas e formas de ministérios.
Mais do que nunca: “Envia, Senhor, o teu Espírito e renova a face da Terra”.