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Dia do Pobre - "São eles que convertem a Igreja ao Evangelho”

Créditos foto: Arquivo Pessoal

Neste mês de novembro, além de vivermos o processo das eleições municipais (câmara de vereadores e prefeituras), celebramos o dia do Pobre. Mas o que a nossa fé cristã tem a ver com isto? Qual a relação da caridade e da política com a fé? Muitas perguntas, muitas opiniões. Como batizados, como cristãos que desejam seguir a Jesus na Sua Igreja, precisamos ter nosso olhar voltado para a prática de Jesus e para as orientações da Igreja.
Dom Sílvio, bispo com os pés e o cordão umbilical em Encruzilhada, vai nos ajudar a aprofundar alguns pontos importantes em nossa caminhada de Iniciação à Vida Cristã, na perspectiva de uma Igreja Samaritana.    
Pe. Zé Renato

1. Quem é Dom Sílvio Guterres Dutra
Dom Sílvio Guterres Dutra, nasceu no interior do município de Encruzilhada do Sul, na Coxilha das Figueiras, no dia 06 de junho de 1966. É o sétimo filho (depois ainda veio o caçula) dos agricultores Lúcio Barboza Dutra (in memoriam) e Maria Joaquina Correa Guterres. Em abril de 1968, depois de uma grande frustração dos seus pais com a atividade rural, que fora muito prejudicada por uma grande estiagem, e sem poder contar com qualquer política pública que os incentivasse a permanecer, se transferiram para Charqueadas, onde recomeçaram a vida. Aos 17 anos de idade se dá o início de sua caminhada de fé na Igreja, quando passou a integrar um grupo de jovens da paróquia e um círculo bíblico existente no bairro. O ingresso no seminário da Arquidiocese de Porto Alegre foi no ano de 1985, com quase 19 anos. A sua ordenação presbiteral se deu em 18 de dezembro de 1993. A partir daí viveu seu ministério servindo a Arquidiocese, até receber a notícia da escolha do Papa Francisco para ser Bispo de Vacaria RS, onde se encontra a mais de dois anos, desde 05 de agosto de 2018.

2. Quais os principais desafios para a Igreja, nos dias de hoje?
Como primeiro desafio, entendo que a Igreja deva assumir o compromisso de reconstruir seu tecido comunitário, investindo decididamente na experiência das chamadas Pequenas Comunidades Missionárias, conforme indicam as atuais Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da CNBB. É a partir da pequena comunidade que se poderá desenvolver uma verdadeira formação cristã integral, onde o contato direto e próximo entre crianças, jovens , adultos e idosos, somado ao cultivo da Leitura Orante da Palavra de Deus e o engajamento concreto na realidade local, poderá favorecer uma sólida experiência de fé. Em segundo lugar, diria que se faz necessário assumir e traduzir localmente, as grandes intuições do Papa Francisco que apontam para uma ecologia integral, para o cuidado da casa comum, para a cultura do encontro e para o caminho sinodal como um modo de ser cristão neste tempo. Entendo que haja uma grande sintonia entre as grandes intuições de Francisco e aquilo que se espera das Pequenas Comunidades Missionárias.  As duas coisas me animam muito no ministério de pastor.

3. Como ser cristão, a partir do Evangelho de Jesus Cristo, nos tempos atuais?
Entendo que não haja outra alternativa para a nossa geração de cristãos, sob pena de sermos considerados dispensáveis diante da sociedade, que não seja a de estarmos decididamente engajados nas mesmas causas humanitárias e ecológicas para as quais aponta o Papa Francisco, como citado acima. A chamada “Igreja em saída” tão desejada por Francisco, é a Igreja iniciada no Evangelho, e aponta para a necessidade de que nós cristãos entendamos, de uma vez por todas, que não há fé cristã possível que não seja encarnada, que não tenha as causas do ser humano e da própria criação como um todo, como causas próprias. Questões como a preservação da Amazônia, os efeitos nocivos de uma cultura do descarte e de uma economia que mata, são sim assuntos que interessam aos cristãos. Esse é o caminho.

4. Em novembro celebramos o Dia do Pobre. O que é o Dia do Pobre?
Na minha compreensão, a iniciativa do Papa Francisco de instituir o Dia Mundial do Pobre, como fruto maduro do Ano da Misericórdia (2016), colocando a sua celebração propositalmente no domingo que antecede a Solenidade de Cristo Rei, é um convite a todos para entendermos o que é o Reino que Jesus veio pregar e concretizar, acima de tudo com gestos e obras. Basta percorrer os evangelhos para encontrar as várias vezes nas quais Jesus trouxe para o centro aqueles que eram empurrados para a periferia. Colocar no centro significa apontar para uma escolha preferencial, significa dizer que o Reino é primeiro para estes e para todos os que caminham com eles. Importa lembrar aqui que, ao identificar quem são os mais pobres do nosso tempo, surpreendentemente o Papa Francisco aponta para a dura realidade da Terra (nosso planeta). Segundo Francisco a Terra é a realidade mais empobrecida e espoliada dos dias atuais, sendo que seu esgotamento, provocado pela ganância econômica dos grandes do mundo, é fator gerador de tantas outras pobrezas e sofrimentos, que por fim se traduzem em fome, miséria e indignidade. Celebrar o Dia Mundial do Pobre é trazer esta realidade para o centro das atenções.

5. Qual foi a inspiração para celebrar o dia do pobre?
Conforme mencionado acima, a celebração do Dia Mundial do Pobre é uma iniciativa do Papa Francisco, surgida na conclusão do Ano da Misericórdia. É uma maneira de reagir à desumana cultura do descarte e da indiferença, que são um subproduto do atual sistema econômico que concentra renda na mão de poucos e decide quem ficará fora de qualquer possibilidade de viver dignamente. A resposta, segundo Francisco, se chama cultura do encontro, ou globalização da solidariedade.  Atenção: não se trata de falar sobre os pobres, nem de promover um evento isolado com eles, se trata de estar com eles. São eles que convertem a Igreja ao Evangelho. 

6. Qual a importância da “6ª Semana Social Brasileira” e do “Pacto pela Vida e pelo Brasil” para concretizar a missão da igreja?
Passado um período no qual se estabeleceu um certo estranhamento de vários setores da Igreja para com os temas sociais, felizmente se reascende a certeza de que há uma dimensão da evangelização que a obriga a estar atenta à realidade na qual vivem os filhos de Deus. O homem e a mulher que pretendemos evangelizar são dotados de várias dimensões e elas todas devem estar em nossos projetos pastorais. É isso que se chama de formação integral. Tudo aquilo que diz respeito ao transcendente (céu) e ao imanente (terra), e que coabitam na mesma pessoa, são de interesse da evangelização. Portanto, a realidade dos três “Ts” (Terra, Teto e Trabalho) do discurso do Papa Francisco aos movimentos populares na Bolívia, somados aos três eixos transversais da Democracia, Soberania e Economia, serão os temas que nos ocuparão até 2022, no grande mutirão da Semana Social Brasileira. Como frutos de todo este processo, se espera que, tanto em nível nacional, como em cada diocese, surjam iniciativas concretas que impulsionem uma nova realidade de mais sustentabilidade e de mais justiça social. O convite a um “Pacto pela Vida e pelo Brasil” é a forma mais imediata que a CNBB encontrou de mobilizar a sociedade para enfrentar logo a crise política, econômica e social, que se estabeleceu em nosso país e que se agravou ainda mais com a pandemia do coronavirus.

7. Estamos na época das eleições, o que você diria para nossos cristãos?
Em se tratando de política, me considero privilegiado por ter nascido em uma família que sempre teve consciência da importância do envolvimento cidadão na construção da democracia. Nasci durante a ditadura militar, do lado de quem sofreu muito com ela, por isso aprendi desde cedo que qualquer possibilidade de mudança para melhor na sociedade, virá pela nossa participação, jamais pela indiferença ou pela submissão ao sistema. Ser político é uma dimensão do ser humano, é muito mais do que estar vinculado a uma sigla partidária em vista das eleições (processo necessário para a democracia), é lutar constantemente pelo bem comum e pela dignidade humana.  Aqui temos um desafio particular do nosso tempo, qual seja: precisamos resgatar o amor à política, enfrentando a ideologia que trabalha intensamente para denegrir o mundo público, passando a ideia de que no mundo privado tudo é puro e honesto. Não é possível aceitar que todo o mal da sociedade se resuma aos males da política, enquanto mesmo estes, quando se tornam públicos, mostram que eles são forjados de mãos dadas com o poder econômico. É preciso libertar a política das garras do poder econômico. Portanto, ouso sugerir aos cristãos que, identificando de que lado está o poder econômico, procure votar no lado oposto. 

8. Você tem “raízes” na diocese de Santa Cruz. Qual sua palavra ao povo diocesano?
Não por mérito próprio, mas por ter herdado de meus pais, nunca perdi o amor e o carinho pelo chão que me viu nascer. Tenho muito orgulho de ser encruzilhadense, de saber que lá na Coxilha das Figueiras se encontra enterrado meu umbigo. Uma das coisas que mais gosto de fazer anualmente, por ocasião das minhas férias (embora depois de me tornar Bispo não o tenha conseguido) é passar uma semana lá onde eu nasci. É uma espécie de reencontro com minha identidade. Encontrar os parentes, fazer caminhadas pelos campos e sentir o cheiro da terra, das plantas e dos animais é um verdadeiro exercício espiritual, uma recarregada de energias.  Minha gratidão a Santa Cruz, minha diocese mãe! Por favor, rezem sempre por mim. 



Autor: Dom Sílvio Guterres Dutra
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