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SENHOR, PRECISO FALAR CONTIGO

Créditos foto: Arquivo PASCOM

Acompanhamos todos, assim penso, durante estes dias vários ataques aos bispos que assinaram a Carta ao Povo de Deus, entre os quais está Dom Aloísio Alberto Dilli. Triste e abatido com os ataques sofridos, Dom Aloísio escreveu uma bela e profunda oração, em base ao evangelho do dia de ontem - sexta-feira (Mt 16,24-28). É esta oração que estou encaminhando a vocês. Podemos ler, refletir e rezar. Foi feita com amor, e no profundo desejo de se colocar a serviço da vida.Que ela nos ajude a sermos mais unidos na missão de anunciar o Evangelho e testemunhar o Reino de Deus.
Pe. Roque Hammes

SENHOR, PRECISO FALAR CONTIGO!
A Palavra de Jesus:  Senhor, acabamos de celebrar a Eucaristia, dom maior de nossa vida litúrgica na Igreja. No Evangelho de hoje (Mt 16, 24-28) nos defrontamos novamente com a frase que identifica os teus seguidores: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”. Como é bom, Senhor, quando tua Palavra pode tornar-se viva, qual semente que cai em terra preparada e acolhedora e assim ela se torna meio privilegiado de encontro contigo, como afirmam os documentos da Igreja (VD 65; DG 2019-2023, n. 88). Agradecemos, Senhor, por escutares nossa reflexão e oração. Com certeza precisamos conversar mais sobre este Evangelho e colocá-lo no presente contexto da vida de teus filhos e de teus ministros, com a missão de ser profeta, sacerdote e pastor. 
O Contexto: Estamos vivendo dias difíceis, semelhantes aos momentos de neblina ou tempestade, provocados pela instabilidade do tempo, e que revelam danosas consequências produzidas por atitudes de polarização, que impedem diálogos fraternos e até se manifestam com agressões injuriosas através das redes sociais e de outras formas. O motivo de tudo: assinatura de uma “Carta ao Povo de Deus”, o teu Povo, Senhor, que confiaste a nós, como pastores que dele devem cuidar. Somos mais de 150 bispos do Brasil que, em profunda comunhão com o modo de pensar do Papa Francisco e da CNBB, externamos nossa séria preocupação, com questionamentos aos órgãos governamentais, sobretudo em relação ao cuidado da vida – dom e compromisso – nestes tempos de pandemia e de outras crises, que bem conheceis. Como já o fizemos em outros tempos, nossas observações apontam especialmente para a situação das pessoas mais frágeis, aquelas que têm pouca voz e oportunidades limitadas para se manifestar, aquelas que não tem a necessária atenção à sua saúde, sua pobreza, seus valores culturais, ecológicos e sociais. Nossas intenções não são político-partidárias ou ideológicas, como por muitos somos classificados. Jamais houve de nossa parte o desejo de introduzir alguma ideologia em nosso país (somos chamados ou rotulados como comunistas ao contrapor uma economia que tenha no centro a pessoa humana e o bem comum e não o mercado e o lucro). Desejamos, sim, que o Reino de Deus possa acontecer em nossa realidade. Por isso, inspirados no teu Evangelho, na Doutrina Social da tua e nossa Igreja e na sua tradição profética, propomos um país mais justo e igualitário, fraterno e solidário, com preservação das instituições democráticas e participativas. Nunca nos cansamos de crer e afirmar que é possível conviver em paz, mesmo pensando de maneira diferente, mas sempre na busca sincera da verdade e sem quebrar com isso os nossos laços fraternos.
Pessoas Humanas: Como pessoas humanas, diante de ofensas e atitudes desrespeitosas, nos sentimos duplamente atingidos, Senhor, seja em nossa vida pessoal, seja em nosso ministério, que exercemos em teu nome. Em sentido humano, nestas situações, podemos ser afetados por momentos de solidão, acompanhados de certo desânimo, pois algumas pessoas até nos evitam porque a situação que se vive é delicada e conclui-se que é melhor não tocar no assunto; outros talvez comecem a desconfiar, achando que pode ser verdade o que estão afirmando nas redes sociais ou outros meios de comunicação. Às vezes, para algumas pessoas, até Fake news (Falsas notícias) são aparentemente mais vantajosas e eficientes para posições políticas, econômicas, sociais e, às vezes, até religiosas, para convencer as pessoas no processo de credibilidade, em vez de olhar para o Evangelho e os testemunhos de sua vida na Igreja.
Questionamentos Pastorais: Tu sabes, Senhor, que na condição de pessoas humanas frágeis pode inclusive afetar-nos um sentimento de inutilidade diante dos esforços de anos de evangelização, realizados durante o exercício do ministério. Surgem igualmente questionamentos sobre a nossa forma de evangelizar, com seus respectivos conteúdos e suas celebrações litúrgicas ou devocionais, em nossas comunidades, movimentos, setores de pastoral, celebrações, homilias, catequeses, encontros, cursos, etc. Finalmente, a partir disso, surge a inquietante e necessária pergunta: - É esse o cristianismo que estamos anunciando e testemunhando em nossa missão evangelizadora? Não estaria aí a urgente necessidade de conversão pastoral, à qual tanto se refere o Documento de Aparecida (DAp 365-372)?
O Motivo da Fé: Senhor, tu nos ensinaste que há momentos de Getsêmani para todos os que pretendem seguir-te como discípulos, com o nome de cristãos. E nossas lágrimas são testemunhas inegáveis do que disseste e viveste. Mas há também a esperança e o consolo da ressurreição, após a dolorosa cruz. E aqui se faz necessário, em primeiro lugar, o baluarte da fé que conduz à perseverança e à fidelidade. O motivo ou a causa de tua encarnação, do teu anúncio do Reino e da tua Páscoa, deve também motivar e orientar nossas opções e atitudes. 
Os Irmãos e as Irmãs: Nestas situações mais difíceis, grande importância também encontram palavras e gestos de solidariedade de irmãos e irmãs, mesmo que às vezes demorem, mas aos poucos aparecem tantos outros que vão se somando, tornando-nos mais fortes em torno do mesmo ideal, e lentamente a tristeza se transforma em brilho de esperança e de luz. Entre estes estão pessoas do clero, da vida consagrada, dos leigos/as e de outras lideranças, cristãs ou não. Isso nos revela que nossa missão de discípulos missionários não pode ser realizada apenas de forma individual, mas em comunhão eclesial. O profetismo de hoje fica sempre menos caracterizado por gestos isolados, mas vai acontecendo na soma da coerência e do testemunho de muitos que caminham na mesma direção. Obrigado, Senhor, pelos irmãos e irmãs que sabem ouvir e compreender as difíceis horas da subida do calvário e permanecem fiéis, mesmo junto a condenações, solidarizando-se na esperança de vida nova. Sua presença, reflexões, conselhos e advertências se tornam sinais do teu amor.
Tempo de Conversão: Sim, é preciso respeitar o paciente processo de conversão de todos, pois o tempo de crescimento do trigo e do joio, misturados no mesmo terreno, se faz sentir em todos nós, como nos ensinaste no Evangelho: no final dos tempos, o Filho do Homem retribuirá a cada um de acordo com sua conduta (cf. Mt 13, 24-30). Dai-nos, Senhor o dom da paciência e da conversão constante.
Ser Profeta, Sacerdote e Pastor: Senhor, assim aprendemos que não basta ser fiel somente a um dos múnus ou serviços de nosso ministério, contentando-nos com a repetição das celebrações, por mais importantes que estas sejam. Junto com o ser sacerdote, que reza com e pelo Povo de Deus, nós também precisamos assumir o profetismo e suas consequências, como zelosos pastores de teu rebanho, mesmo que isso exija de nós igualmente sacrifícios para que outros tenham vida e vida em abundância, motivo pelo qual vieste ao mundo, como disseste ao ensinar-nos a parábola do Bom Pastor (cf. Jo 10, 10). 
Dom da Fortaleza: Por isso, Senhor, enviai-nos o teu Espírito, com o dom da fortaleza, para sermos fiéis ao ministério que nos confiaste pela imposição das mãos. Fazei que sejamos fortes e capazes de dar vida ao teu Evangelho, mesmo em meio às nossas fragilidades e à possibilidade de ficarmos enlameados, como afirma o Papa Francisco. Seja a tua Palavra a força central de nosso anúncio e de nosso testemunho. Somente assim ela será profética. Que a fé nos sustente na missão para a qual nos enviaste: sermos profetas, sacerdotes e pastores do Povo de Deus. Curai nosso medo e a tendência à perigosa indiferença, que facilmente pode acomodar-nos diante do sofrimento de muitos de nossos irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Pai, ao qual clamamos tantas vezes, chamando-o “Pai nosso...”. Na mesma oração, nos ensinaste a pedir o perdão e a perdoar a quem nos tem ofendido. Que isso também aconteça entre nós agora, pois nossas preces não podem ser ouvidas pelo Pai se nelas se encontram ódio, desprezo ou indiferença aos irmãos.
A Cruz do Seguimento: Senhor, no final de nosso encontro de reflexão e de oração, começamos a entender melhor o que professaste no Evangelho de hoje, ao dizer: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”. Sim, a cruz faz parte de nossa vida cristã e de nosso ministério. Fugir dela significa ser covarde, pensando egoisticamente em guardar ou salvar a própria vida, com seus interesses pessoais, tantas vezes egoístas. Senhor, purificai-nos de todo egoísmo e fazei que descubramos sempre mais que o discipulado passa pelo tomar a cruz de cada dia e seguir-te. Que o teu amor infinito, revelado na cruz – centro de todo Evangelho e maior sinal de amor que a humanidade já viu – seja também entendido sempre mais por todos nós, na doação da nossa vida, sobretudo, pelo ser fraterno.
Bênção a Todos: Senhor Jesus Cristo, um último pedido: por intercessão de São Francisco de Assis, Santo da Fraternidade universal; por intercessão de São João Batista, profeta que anunciou a ti como Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; por intercessão de tua e nossa Mãe, a Virgem Maria, abençoa a todos os que lerem ou ouvirem este texto, também aos que pensam, com sinceridade de coração, de modo diferente que nós: 
“O Senhor vos abençoe e vos guarde. Ele vos mostre a sua face e se compadeça de vós. O Senhor volte para vós o seu olhar e vos dê a sua paz!" (Nm 6,24-26). 

Autor: Dom Aloísio Alberto Dilli
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