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Não, o título não está errado! Mas qual é o sentido? Deus sem educação pode ter vários sentidos. Em primeiro lugar, o termo “Deus”, embora geralmente em nosso ambiente cultural se lhe atribua um sentido único, de fato, na cabeça das pessoas pode ter muitos significados. Muitas vezes é visto como uma entidade superior e fiscalizadora, arbitrária e vingativa, que escolhe algumas pessoas para o representarem independentemente das suas qualidades.
Um documentário americano, de 2019, com o título The Family, retrata uma conexão internacional também conhecida como Fellowship, que promove eventos religiosos reunindo políticos do mundo inteiro sob o pretexto de que por terem poder, são ungidos, escolhidos por “Deus”, e, portanto, suas virtudes e vícios não importam. Trata-se de um documentário, e não de uma ficção. A organização existe há muitas décadas nos Estados Unidos e está baseada numa concepção teológica de poder divino, supra-confessional e interreligiosa, e até mesmo não religiosa, de que poder é sinônimo de unção, de ser escolhido por “Deus”. Este é um Deus sem educação. Amor, misericórdia, justiça não fazem parte das suas qualidades. Qualquer ditador pode invocar seu nome e usá-lo como álibi para seus abusos, já que foi ungido de poder.
Deus sem educação é também a entidade vingativa e indiferente. É o chamado “arquiteto divino” que projetou o universo e o abandonou à sua própria sorte. A vida concreta dos seres humanos não lhe interessa, os famintos e pobres são apenas os desafortunados. Serve perfeitamente às grandes fortunas e às concentrações de riquezas na sociedade mundial sem nenhum senso de responsabilidade social ou ecológica. Ao lado dessa compreensão de “Deus”, está o “Deus” vingativo. Está sempre com as pedras na mão para apedrejar a mulher adúltera, à qual faz alusão o cartaz da Campanha da Fraternidade 2022. Esta é a concepção que sustenta o moralismo acusatório sexista, étnico-racial, social, cultural, religioso, xenofóbico e assim por diante. É uma entidade que sente prazer em matar, em legitimar as armas como as pedras, e em promover a morte. O culto a esse “Deus”, dispensa, persegue e destrói a Educação.
Poderia mencionar-se ainda a concepção simplista de onisciência divina, segundo a qual, desde sempre Deus sabe tudo, é sumamente perfeito e onipotente, não precisando, então “educar-se” ou ser “educado”.
E no entanto, o tema da CF 2022, é teológico e diz respeito ao Mistério Divino. O termo “educação” traduz uma realidade complexa na qual convergem dois sentidos fundamentais: a formação e a educação. Na tradição alemã o termo geralmente usado é o de Bildung – cuja tradução mais próxima é a de formação. Deriva da palavra Bild – imagem – e foi consagrada por Mestre Eckhart (1260–1328). Formar é deixar emergir a imagem e semelhança divina no ser humano. A filosofia educacional posterior, revisou alguns aspectos dessa compreensão mística, assim como algumas compreensões idealistas de certo período histórico, mas reconheceu a validade do pressuposto teológico, entendido à luz do princípio dialógico. Assim, especialmente o filósofo judeu Martin Buber (1878– 965), compreende a educação como um diálogo personalizador Eu-Tu, cujo ápice é o Eu humano diante do Tu divino. O encontro intersubjetivo, em que o outro humano ou divino é parte na formação do Eu e do Tu.
Ao retratar Jesus que se abaixa e escreve, João (8,3-11) mostra a diferença entre o educador e o poderoso. O poderoso, o violento, o vingativo, o indiferente vem com pedras e com a moral medíocre de quem tem a legalidade e a “unção”, o poder do seu lado. Jesus se abaixa duas vezes (8,6.8) e escreve com o dedo no chão. Jesus sequer entra em discussão para verificar se é ou não verdade, mas se abaixa até o chão, desce, por assim dizer, até onde está aquela mulher na miséria da sua situação, e deixa os “donos da verdade” com suas pedras na mão. Desarma-os mediante o apelo à sua consciência – “quem estiver sem pecado atire a primeira pedra” (8,7). Quanto à mulher, o evento pedagógico da restauração plena de sua imagem e semelhança divina, se dá no “vai e não tornes a pecar” (8,11). Esta é a imagem bíblica, da tradição judaico-cristã de Deus. Sem armas, sem presunção de poder, inclinado para onde estão a fraqueza, a fragilidade e o pecado, apenas com a palavra e a cruz, sem espadas (cf. Mt 26,52). É o mesmo Senhor do Êxodo (3,7) que viu o sofrimento do seu povo, ouviu o seu clamor e desceu para o libertar. Mesmo quando castigasse a esse povo, não foi para o condenar, mas para que se convertesse e vivesse.
A CF 2022 é um apelo à mudança de vida, à valorização da Formação/Educação como restauração da imagem e semelhança divina no ser humano em sua relação com seu próximo, com a natureza e com esse Mistério Divino, delicadamente educado, que se inclina para nos ensinar a escrever e a viver segundo sua compaixão e seu amor.
Autor: Pe. Erico HammesUm documentário americano, de 2019, com o título The Family, retrata uma conexão internacional também conhecida como Fellowship, que promove eventos religiosos reunindo políticos do mundo inteiro sob o pretexto de que por terem poder, são ungidos, escolhidos por “Deus”, e, portanto, suas virtudes e vícios não importam. Trata-se de um documentário, e não de uma ficção. A organização existe há muitas décadas nos Estados Unidos e está baseada numa concepção teológica de poder divino, supra-confessional e interreligiosa, e até mesmo não religiosa, de que poder é sinônimo de unção, de ser escolhido por “Deus”. Este é um Deus sem educação. Amor, misericórdia, justiça não fazem parte das suas qualidades. Qualquer ditador pode invocar seu nome e usá-lo como álibi para seus abusos, já que foi ungido de poder.
Deus sem educação é também a entidade vingativa e indiferente. É o chamado “arquiteto divino” que projetou o universo e o abandonou à sua própria sorte. A vida concreta dos seres humanos não lhe interessa, os famintos e pobres são apenas os desafortunados. Serve perfeitamente às grandes fortunas e às concentrações de riquezas na sociedade mundial sem nenhum senso de responsabilidade social ou ecológica. Ao lado dessa compreensão de “Deus”, está o “Deus” vingativo. Está sempre com as pedras na mão para apedrejar a mulher adúltera, à qual faz alusão o cartaz da Campanha da Fraternidade 2022. Esta é a concepção que sustenta o moralismo acusatório sexista, étnico-racial, social, cultural, religioso, xenofóbico e assim por diante. É uma entidade que sente prazer em matar, em legitimar as armas como as pedras, e em promover a morte. O culto a esse “Deus”, dispensa, persegue e destrói a Educação.
Poderia mencionar-se ainda a concepção simplista de onisciência divina, segundo a qual, desde sempre Deus sabe tudo, é sumamente perfeito e onipotente, não precisando, então “educar-se” ou ser “educado”.
E no entanto, o tema da CF 2022, é teológico e diz respeito ao Mistério Divino. O termo “educação” traduz uma realidade complexa na qual convergem dois sentidos fundamentais: a formação e a educação. Na tradição alemã o termo geralmente usado é o de Bildung – cuja tradução mais próxima é a de formação. Deriva da palavra Bild – imagem – e foi consagrada por Mestre Eckhart (1260–1328). Formar é deixar emergir a imagem e semelhança divina no ser humano. A filosofia educacional posterior, revisou alguns aspectos dessa compreensão mística, assim como algumas compreensões idealistas de certo período histórico, mas reconheceu a validade do pressuposto teológico, entendido à luz do princípio dialógico. Assim, especialmente o filósofo judeu Martin Buber (1878– 965), compreende a educação como um diálogo personalizador Eu-Tu, cujo ápice é o Eu humano diante do Tu divino. O encontro intersubjetivo, em que o outro humano ou divino é parte na formação do Eu e do Tu.
Ao retratar Jesus que se abaixa e escreve, João (8,3-11) mostra a diferença entre o educador e o poderoso. O poderoso, o violento, o vingativo, o indiferente vem com pedras e com a moral medíocre de quem tem a legalidade e a “unção”, o poder do seu lado. Jesus se abaixa duas vezes (8,6.8) e escreve com o dedo no chão. Jesus sequer entra em discussão para verificar se é ou não verdade, mas se abaixa até o chão, desce, por assim dizer, até onde está aquela mulher na miséria da sua situação, e deixa os “donos da verdade” com suas pedras na mão. Desarma-os mediante o apelo à sua consciência – “quem estiver sem pecado atire a primeira pedra” (8,7). Quanto à mulher, o evento pedagógico da restauração plena de sua imagem e semelhança divina, se dá no “vai e não tornes a pecar” (8,11). Esta é a imagem bíblica, da tradição judaico-cristã de Deus. Sem armas, sem presunção de poder, inclinado para onde estão a fraqueza, a fragilidade e o pecado, apenas com a palavra e a cruz, sem espadas (cf. Mt 26,52). É o mesmo Senhor do Êxodo (3,7) que viu o sofrimento do seu povo, ouviu o seu clamor e desceu para o libertar. Mesmo quando castigasse a esse povo, não foi para o condenar, mas para que se convertesse e vivesse.
A CF 2022 é um apelo à mudança de vida, à valorização da Formação/Educação como restauração da imagem e semelhança divina no ser humano em sua relação com seu próximo, com a natureza e com esse Mistério Divino, delicadamente educado, que se inclina para nos ensinar a escrever e a viver segundo sua compaixão e seu amor.