Créditos foto: Arquivo / PASCOM
Caro Povo de Deus. Segundo o espírito do Concílio Ecumênico Vaticano II, a Igreja deve estar inteiramente voltada para a missão, para o serviço de evangelizar, o qual se torna sua razão última de ser (cf. EN 14), expressão de sua essência (cf. AG 35-37). Este é seu serviço ao mundo. Ela é, portanto, toda ministerial, convocada ao serviço. O Espírito da sinodalidade, tão acentuado em nosso tempo, nos ajudará a fazer este caminho da missão evangelizadora em conjunto, como Povo de Deus, independente do estado de vida no qual vivemos, como leigos/as, consagrados/as ou como membros clero.
O Documento de Aparecida (2007) insiste que não há como ser discípulo sem ser missionário e não há verdadeira Igreja se ela não for missionária: “A missão é inseparável do discipulado” (DAp 278e). O Papa Francisco, ao refletir essa missão de toda Igreja, afirma: “Em todos os batizados, desde o primeiro ao último, atua a força santificadora do Espírito que impele a evangelizar...” (EG 119). E continua, em seguida: “Em virtude do Batismo recebido..., cada batizado, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é sujeito ativo de evangelização... É missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus” (EG 120).
Mas quem é esta Igreja, enviada a evangelizar? O mesmo Concílio, ao se fazer esta pergunta, concluiu: “A Igreja é o Povo de Deus”, a partir do Batismo (cf. LG, cap. II). Todos os estados de vida (leigos/as – clero – consagrados/as) têm igual dignidade, todos são chamados à santidade e todos convocados a participar da missão evangelizadora: “Um é o povo eleito de Deus: ‘um só Senhor, uma só fé, um só batismo’ (Ef 4, 5). Comum a dignidade dos membros pela regeneração em Cristo. Comum a graça de filhos. Comum a vocação à perfeição... Se, pois, na Igreja nem todos seguem o mesmo caminho, todos, no entanto, são chamados à santidade e receberam a mesma fé pela justiça de Deus (2Pdr 1,1). E ainda que alguns por vontade de Cristo sejam constituídos mestres, dispensadores dos mistérios e pastores em benefício dos demais, reina, contudo, entre todos verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo” (LG 32). Essa Igreja, como Povo de Deus, só poderia ser concebida na unidade e na totalidade, naquilo que é comum a todos os seus membros, superando concepção errônea de “sociedade desigual”, distanciando a hierarquia e o laicato.
Esta nova compreensão da Igreja, já presente nos primeiros séculos do cristianismo, havia sido perdida na Idade Média, quando os leigos/as se tornaram silenciosos e passivos ouvintes; aqueles que não entendiam mais o latim e perderam o acesso direto à Sagrada Escritura, tornando-se ‘leigos no assunto’, criando e adotando devoções populares alternativas ou paralelas e ‘assistindo’ aos atos litúrgicos oficiais. Assim, os leigos/as haviam passado a ser mais destinatários do que agentes da ação evangelizadora da Igreja. A missão ficou nas mãos da hierarquia e, em parte, dos religiosos e religiosas.
O espírito conciliar nos fez perceber novamente que a missão da Igreja não é responsabilidade de alguns, mas de todos, pois a Igreja é missionária por sua natureza. Somos todos “discípulos missionários”, como afirma o Documento de Aparecida. Ser missionário faz parte da identidade de todos os cristãos. Em comunhão com este modo de pensar, se usa a conhecida expressão: “Igreja toda ministerial” ou “Igreja toda servidora”.
Olhando para nossa Diocese de Santa Cruz do Sul, percebemos que ela está começando a apresentar um rosto menos presbiteral e mais diaconal e leigo. Mesmo que, nos últimos anos, a graça do Senhor chamou vários irmãos para a ordenação presbiteral, há um significativo número crescente de ordenações para Diáconos Permanentes que, segundo o Concílio, “fortalecidos com a graça sacramental, servem ao Povo de Deus na diaconia da liturgia, da palavra e da caridade, em comunhão com o Bispo e seu presbitério” (LG 29). Na fraterna acolhida destes irmãos diáconos e sua consequente valorização em nossas comunidades, nos sentimos revigorados na comunhão eclesial e em nossa missão evangelizadora. Outrossim, a diocese se dispõe a continuar com nova edição da Escola de Diáconos para futuro próximo. Deixamos claro também que o aumento progressivo do número dos Diáconos permanentes não significa que podemos relativizar a pastoral vocacional em relação à vocação de novos presbíteros, diocesanos ou religiosos. O serviço de animação vocacional (SAV) deve atingir todos os estados de vida na Igreja: clero, consagrados/as e leigos/as.
Outra face do rosto diocesano, que sempre mais se evidencia, é a importância que tem a participação dos leigos e leigas na vida e missão da diocese. Aqui não falamos apenas dos ministérios leigos instituídos, reconhecidos ou confiados (não-ordenados), mas de todos os carismas (dons) colocados a serviço do bem comum. Em nível mais interno, esta missão de evangelizar se desenvolve principalmente nas famílias e comunidades cristãs, pela catequese e liturgia, pelas diversas pastorais e movimentos, pelas associações e serviços, etc. Percebemos também a presença rica dos leigos e leigas na ‘índole secular’, ou seja, nos diversos areópagos da vida social e profissional, da educação, da saúde, do trabalho, da política, da economia, da arte e da cultura, da segurança e da justiça, dos movimentos sociais, dos conselhos paritários, enfim, em todas as presenças que cuidam da vida dos cidadãos e zelam pelo bem comum de todos, sobretudo dos mais necessitados. Também neste campo deveremos falar em caridade (amor), inerente ao ser cristão no mundo. Por isso diz o Documento de Aparecida: “A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica” (DAp 391). Neste campo afirma Bento XVI: “A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja... A caridade dá verdadeira substância à relação pessoal com Deus e com o próximo; é o princípio não só das microrrelações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macrorrelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos” (Caritas in Veritate – CV 2). E o Papa Francisco explica: “Um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas, quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no ‘campo da caridade mais ampla, a caridade política’... Convido uma vez mais a revalorizar a política, que ‘é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum’ (EG, n. 205)” (FT 180).
Percebemos que esta evangelização não pode ficar somente ‘ad intra’, em nível interno, pois a Boa Nova deve ser levada a todas as realidades da vida humana: “Chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação” (EN 19). Para tal, a missão da Igreja necessita de verdadeira espiritualidade missionária, deixando-se conduzir pelo Espírito: anunciar com alegria a Palavra de Deus, depois de ouvida e integrada na vida, sobretudo pelo testemunho (cf. DAp 18 e 29). Já o Concílio, através do Documento Gaudium et Spes, afirmava: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (GS 1).
A partir de uma eclesiologia de totalidade, a Igreja toda está no mundo e aí é sacramento de salvação. Cada um, porém, realiza a missão do povo cristão na Igreja e no mundo a partir dos carismas recebidos e, eventualmente, dos serviços e ministérios que exerce: “A cada um é dada a manifestação do Espírito para utilidade comum” (1Cor 12, 7 – cf. LG 12).
No final de nossa reflexão, vem a inquietante pergunta: - Como vamos chegar a esta nova visão de uma Igreja decididamente missionária, presente e atuante em todos os estados de vida? Certamente não existe uma resposta mágica pronta, que encontramos em alguma gaveta da sacristia. Contudo, sabemos que o processo da Iniciação à Vida Cristã, no espírito catecumenal, que deu certo nos primeiros séculos do cristianismo, pode nos ajudar em nosso tempo. Será uma catequese, unida à liturgia, que envolve a família e a comunidade. Deverá tornar-se uma iniciação cristã que proporciona o conhecimento e o encontro com Jesus Cristo e que continua pelo seu seguimento na comunidade cristã e no mundo. Portanto, uma fé vivida em todos os ambientes.
Nossa recente assembleia, entre suas prioridades, lembrou-nos que é preciso “dar continuidade ao processo da Iniciação à Vida Cristã”, em parte interrompido pela pandemia. A obediência à esta decisão será fundamental para o presente e o futuro de nossa Igreja diocesana. Outro investimento apontado, além de investir nas comunidades eclesiais missionárias e no espírito da sinodalidade, foi o de “criar espaços de formação para todos os níveis”. Para o estímulo da formação no processo da Iniciação à Vida Cristã e em tantos outros setores da vida e missão de nossas comunidades que necessitam de formação permanente, apenas citamos a famosa e motivadora frase do escritor latino Tertuliano: “Não se nasce cristão, torna-se” (Tertuliano – Séc. III).
Autor: Dom Aloísio Alberto Dilli. Bispo de Santa Cruz do SulO Documento de Aparecida (2007) insiste que não há como ser discípulo sem ser missionário e não há verdadeira Igreja se ela não for missionária: “A missão é inseparável do discipulado” (DAp 278e). O Papa Francisco, ao refletir essa missão de toda Igreja, afirma: “Em todos os batizados, desde o primeiro ao último, atua a força santificadora do Espírito que impele a evangelizar...” (EG 119). E continua, em seguida: “Em virtude do Batismo recebido..., cada batizado, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é sujeito ativo de evangelização... É missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus” (EG 120).
Mas quem é esta Igreja, enviada a evangelizar? O mesmo Concílio, ao se fazer esta pergunta, concluiu: “A Igreja é o Povo de Deus”, a partir do Batismo (cf. LG, cap. II). Todos os estados de vida (leigos/as – clero – consagrados/as) têm igual dignidade, todos são chamados à santidade e todos convocados a participar da missão evangelizadora: “Um é o povo eleito de Deus: ‘um só Senhor, uma só fé, um só batismo’ (Ef 4, 5). Comum a dignidade dos membros pela regeneração em Cristo. Comum a graça de filhos. Comum a vocação à perfeição... Se, pois, na Igreja nem todos seguem o mesmo caminho, todos, no entanto, são chamados à santidade e receberam a mesma fé pela justiça de Deus (2Pdr 1,1). E ainda que alguns por vontade de Cristo sejam constituídos mestres, dispensadores dos mistérios e pastores em benefício dos demais, reina, contudo, entre todos verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo” (LG 32). Essa Igreja, como Povo de Deus, só poderia ser concebida na unidade e na totalidade, naquilo que é comum a todos os seus membros, superando concepção errônea de “sociedade desigual”, distanciando a hierarquia e o laicato.
Esta nova compreensão da Igreja, já presente nos primeiros séculos do cristianismo, havia sido perdida na Idade Média, quando os leigos/as se tornaram silenciosos e passivos ouvintes; aqueles que não entendiam mais o latim e perderam o acesso direto à Sagrada Escritura, tornando-se ‘leigos no assunto’, criando e adotando devoções populares alternativas ou paralelas e ‘assistindo’ aos atos litúrgicos oficiais. Assim, os leigos/as haviam passado a ser mais destinatários do que agentes da ação evangelizadora da Igreja. A missão ficou nas mãos da hierarquia e, em parte, dos religiosos e religiosas.
O espírito conciliar nos fez perceber novamente que a missão da Igreja não é responsabilidade de alguns, mas de todos, pois a Igreja é missionária por sua natureza. Somos todos “discípulos missionários”, como afirma o Documento de Aparecida. Ser missionário faz parte da identidade de todos os cristãos. Em comunhão com este modo de pensar, se usa a conhecida expressão: “Igreja toda ministerial” ou “Igreja toda servidora”.
Olhando para nossa Diocese de Santa Cruz do Sul, percebemos que ela está começando a apresentar um rosto menos presbiteral e mais diaconal e leigo. Mesmo que, nos últimos anos, a graça do Senhor chamou vários irmãos para a ordenação presbiteral, há um significativo número crescente de ordenações para Diáconos Permanentes que, segundo o Concílio, “fortalecidos com a graça sacramental, servem ao Povo de Deus na diaconia da liturgia, da palavra e da caridade, em comunhão com o Bispo e seu presbitério” (LG 29). Na fraterna acolhida destes irmãos diáconos e sua consequente valorização em nossas comunidades, nos sentimos revigorados na comunhão eclesial e em nossa missão evangelizadora. Outrossim, a diocese se dispõe a continuar com nova edição da Escola de Diáconos para futuro próximo. Deixamos claro também que o aumento progressivo do número dos Diáconos permanentes não significa que podemos relativizar a pastoral vocacional em relação à vocação de novos presbíteros, diocesanos ou religiosos. O serviço de animação vocacional (SAV) deve atingir todos os estados de vida na Igreja: clero, consagrados/as e leigos/as.
Outra face do rosto diocesano, que sempre mais se evidencia, é a importância que tem a participação dos leigos e leigas na vida e missão da diocese. Aqui não falamos apenas dos ministérios leigos instituídos, reconhecidos ou confiados (não-ordenados), mas de todos os carismas (dons) colocados a serviço do bem comum. Em nível mais interno, esta missão de evangelizar se desenvolve principalmente nas famílias e comunidades cristãs, pela catequese e liturgia, pelas diversas pastorais e movimentos, pelas associações e serviços, etc. Percebemos também a presença rica dos leigos e leigas na ‘índole secular’, ou seja, nos diversos areópagos da vida social e profissional, da educação, da saúde, do trabalho, da política, da economia, da arte e da cultura, da segurança e da justiça, dos movimentos sociais, dos conselhos paritários, enfim, em todas as presenças que cuidam da vida dos cidadãos e zelam pelo bem comum de todos, sobretudo dos mais necessitados. Também neste campo deveremos falar em caridade (amor), inerente ao ser cristão no mundo. Por isso diz o Documento de Aparecida: “A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica” (DAp 391). Neste campo afirma Bento XVI: “A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja... A caridade dá verdadeira substância à relação pessoal com Deus e com o próximo; é o princípio não só das microrrelações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macrorrelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos” (Caritas in Veritate – CV 2). E o Papa Francisco explica: “Um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas, quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no ‘campo da caridade mais ampla, a caridade política’... Convido uma vez mais a revalorizar a política, que ‘é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum’ (EG, n. 205)” (FT 180).
Percebemos que esta evangelização não pode ficar somente ‘ad intra’, em nível interno, pois a Boa Nova deve ser levada a todas as realidades da vida humana: “Chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação” (EN 19). Para tal, a missão da Igreja necessita de verdadeira espiritualidade missionária, deixando-se conduzir pelo Espírito: anunciar com alegria a Palavra de Deus, depois de ouvida e integrada na vida, sobretudo pelo testemunho (cf. DAp 18 e 29). Já o Concílio, através do Documento Gaudium et Spes, afirmava: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (GS 1).
A partir de uma eclesiologia de totalidade, a Igreja toda está no mundo e aí é sacramento de salvação. Cada um, porém, realiza a missão do povo cristão na Igreja e no mundo a partir dos carismas recebidos e, eventualmente, dos serviços e ministérios que exerce: “A cada um é dada a manifestação do Espírito para utilidade comum” (1Cor 12, 7 – cf. LG 12).
No final de nossa reflexão, vem a inquietante pergunta: - Como vamos chegar a esta nova visão de uma Igreja decididamente missionária, presente e atuante em todos os estados de vida? Certamente não existe uma resposta mágica pronta, que encontramos em alguma gaveta da sacristia. Contudo, sabemos que o processo da Iniciação à Vida Cristã, no espírito catecumenal, que deu certo nos primeiros séculos do cristianismo, pode nos ajudar em nosso tempo. Será uma catequese, unida à liturgia, que envolve a família e a comunidade. Deverá tornar-se uma iniciação cristã que proporciona o conhecimento e o encontro com Jesus Cristo e que continua pelo seu seguimento na comunidade cristã e no mundo. Portanto, uma fé vivida em todos os ambientes.
Nossa recente assembleia, entre suas prioridades, lembrou-nos que é preciso “dar continuidade ao processo da Iniciação à Vida Cristã”, em parte interrompido pela pandemia. A obediência à esta decisão será fundamental para o presente e o futuro de nossa Igreja diocesana. Outro investimento apontado, além de investir nas comunidades eclesiais missionárias e no espírito da sinodalidade, foi o de “criar espaços de formação para todos os níveis”. Para o estímulo da formação no processo da Iniciação à Vida Cristã e em tantos outros setores da vida e missão de nossas comunidades que necessitam de formação permanente, apenas citamos a famosa e motivadora frase do escritor latino Tertuliano: “Não se nasce cristão, torna-se” (Tertuliano – Séc. III).