Palavra do Bispo voltar
09/11/2018 - Pelagianismo e Gnosticismo

Estimados diocesanos. A história da Igreja acontece dentro do mundo, onde é sinal de salvação, manifestando-se santa e pecadora. Ela é assistida pelo Espírito Santo, mas é também formada por pessoas humanas limitadas. Assim, a Igreja já passou por momentos difíceis na sua história, mas assistida pelo Espírito Santo, sempre buscou e busca os caminhos da vontade divina.             
Nos primeiros séculos do cristianismo, junto às perseguições e o surpreendente crescimento da fé cristã, houve também o crítico período das heresias, que exigiram definições mais claras das principais verdades de nossa fé. Duas destas heresias se destacaram: gnosticismo (séc. I-II) e pelagianismo (séc. V). Com as transformações culturais nos diversos povos, as tendências gnósticas e pelagianas, mesmo com novas roupagens, se manifestam em outras épocas da história. Por diversas vezes, o Papa Francisco já fez acenos a estas tendências e a Congregação para a Doutrina da Fé, com aprovação papal, emitiu recente carta oficial sobre o tema, com o Título: “Placuit Deo” (= Aprouve a Deus - 22/02/2018). Este também será o teor de nossa mensagem de hoje.            
Segundo o citado documento, as transformações culturais do mundo atual tendem para um individualismo centrado no sujeito autônomo, cuja realização depende somente das suas forças (pelagianismo): “Nesta visão, a figura de Cristo corresponde mais a um modelo que inspira ações generosas, mediante suas palavras e seus gestos, do que Aquele que transforma a condição humana” (n. 2). Por outro lado (gnosticismo), difunde-se a visão de uma salvação meramente interior, talvez de intensa união com Deus, “mas sem assumir, curar e renovar as nossas relações com os outros e com o mundo criado” (n. 2). Assim torna-se difícil compreender o significado da encarnação de Jesus Cristo, assumindo nossa vida, nossa história para nossa salvação.            
Pelo neopelagianismo a pessoa humana, radicalmente autônoma, pretende salvar a si mesma, sem reconhecer que depende de Deus e dos outros. A salvação é confiada às forças do próprio indivíduo ou a estruturas humanas, sem acolher a graça do Espírito de Deus. Ao mesmo tempo emerge um neognosticismo que apresenta uma salvação meramente interior, fechada no subjetivismo e pretende elevar-se com o intelecto para além da carne de Jesus, rumo aos mistérios da divindade. Por isso, o documento tem como objetivo principal: reafirmar que a salvação consiste na nossa união com Cristo, que, com sua encarnação (vida, morte e ressurreição), gerou uma nova ordem de relações com o Pai (somos filhos) e entre os seres humanos (somos irmãos). A salvação consiste em incorporar-se nesta vida de Cristo, recebendo o seu Espírito. O lugar onde recebemos a salvação trazida por Jesus é a Igreja: sacramento universal de salvação (LG 48).            
Concluindo, lemos a síntese do próprio documento: “A salvação que Deus nos oferece não é alcançada apenas pelas forças individuais, como gostaria o neopelagianismo, mas através das relações nascidas do Filho de Deus encarnado e que formam a comunhão da Igreja. Além disso, uma vez que a graça que Cristo nos oferece não é, como afirma a visão neognóstica, uma salvação meramente interior, mas que nos introduz nas relações concretas que Ele mesmo viveu; a Igreja é uma comunidade visível: nela tocamos a carne de Jesus, de maneira singular nos irmãos mais pobres e sofredores... A salvação não consiste na autorealização do indivíduo isolado, e muito menos na sua fusão interior com o divino, mas na incorporação em uma comunhão de pessoas, que participa na comunhão da Trindade” (n. 12). 
Dom Aloísio A. Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul
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