Caros diocesanos.
Continuamos hoje nossa reflexão sobre o documento papal Desiderio Desideravi, de junho passado. Segundo o Papa
Francisco, para recuperar a capacidade de viver plenamente a ação litúrgica,
grande objetivo da reforma do Concílio Vaticano II, é preciso cuidar da
formação litúrgica. Uma das situações atuais, que mais precisam de atenção, é a
dificuldade das pessoas se envolverem com a ação simbólica, essencial no ato
litúrgico. Outras realidades desafiantes são o sentido da própria vida, o individualismo, o subjetivismo, o espiritualismo abstrato, os devocionismos, etc.
Junto aos
problemas há também a riqueza das reflexões da Igreja. Afirmava o então Papa
Paulo VI: “A liturgia é a primeira fonte
de comunhão divina na qual Deus compartilha sua própria vida conosco. É também
a primeira escola da vida espiritual. A liturgia é o primeiro dom que devemos
fazer ao povo cristão unido a nós pela fé e pelo fervor das suas orações”.
Outro texto magistral encontramos na Sacrosanctum
Concilium, quando afirma: “A liturgia
é o ápice para o qual se dirige a atividade da Igreja e, ao mesmo tempo, a
fonte de onde brota toda a sua força” (SC 10). Diante de tal inspiração
sobre o valor e a dignidade da sagrada liturgia, seria muito trivial ficarmos
discutindo diferentes gostos litúrgicos individuais ou criando tensões em torno
de questões secundárias, desfocando do essencial do mistério celebrado.
Damo-nos conta que muitas vezes estas questões secundárias são provenientes de
visões eclesiológicas onde o Vaticano II ainda não chegou.
Diante disso, o Papa
Francisco recomenda formação litúrgica séria e dinâmica: “A formação para a liturgia e a formação pela liturgia. A primeira
depende da segunda, que é essencial” (n. 34). E o próprio Papa,
referindo-se aos livros litúrgicos, emitiu outro documento: Traditionis Custodes, onde diz
textualmente: “Os livros litúrgicos
promulgados por São Paulo VI e São João Paulo II, em conformidade com os
decretos do Concílio Vaticano II, são a expressão única da lex orandi do Rito
Romano” (n. 31). Portanto, não sejamos improvisadores de textos litúrgicos.
A
formação litúrgica deve atingir o clero, os seminaristas, mas também o povo de
Deus, pois a Igreja – Corpo de Cristo – é sujeito celebrante e não apenas o
sacerdote que preside. A formação nunca estará completa, pois o dom do mistério
celebrado ultrapassa a nossa capacidade de conhecer. Ela deve ser permanente: “A plena extensão da nossa formação é a nossa
conformação a Cristo... Não tem a ver com um processo mental abstrato, mas com
tornar-se Ele” (n. 41). Segundo São Leão Magno, “nossa participação no Corpo e Sangue de Cristo não tem outro fim senão
tornar-nos aquilo que comemos” (n. 41). Toda celebração deve evangelizar,
proporcionar o encontro com o Ressuscitado e conduzir para o testemunho da
caridade.
A
parte final do documento dedica atenção especial à arte de celebrar, que não pode ser reduzida apenas a um mecanismo
rubrical e nem a uma criatividade selvagem ou improvisada. Ela não pode ser
aprendida num simples curso de oratória ou de técnicas de comunicação. O rito
está sempre a serviço de uma realidade superior, que pretende proteger: “A arte de celebrar deve estar em harmonia
com a ação do Espírito. Só assim estará livre dos subjetivismos que são fruto
dos gostos individuais dominantes. Só assim estará livre da invasão de
elementos culturais que são assumidos sem discernimento e que nada têm a ver
com uma correta compreensão da inculturação” (n. 49). Na próxima semana
continuaremos a refletir esta temática da arte de celebrar – “ars celebrandi”.
Dom Aloísio
Alberto Dilli
Bispo de Santa
Cruz do Sul