Caros diocesanos. Já sabemos que o Papa Francisco emitiu Exortação Apostólica, chamada Querida Amazônia, em que fala de 04 sonhos. Nas mensagens anteriores, contemplamos o sonho social, cultural e ecológico. Hoje, é a vez do sonho eclesial.
A Igreja busca um rosto amazônico, tentando encarnar ali o Evangelho pelo anúncio do encontro com o Senhor que promove e dignifica. Ela reconhece Cristo presente nos povos e a dignidade que lhes foi concedida por Deus, que os ama. Ela não despreza o bem que já existe nas culturas amazônicas, mas recebe-o e leva-o à plenitude, à luz do Evangelho. Para tal é preciso que a Igreja escute os valores presentes no estilo de vida das comunidades nativas: abertura à ação de Deus, gratidão pelos frutos da terra, caráter sagrado da vida humana, valorização da família, sentido da solidariedade, corresponsabilidade no trabalho comum, importância do culto, crença na vida do além e tantos outros valores. É a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles. Terão muito a nos ensinar sobre o consumismo ansioso e o isolamento urbano, assim como sua espiritualidade da interconexão e interdependência de toda criação. Na sua visão cósmica do mundo não lhes será estranho o anúncio e o encontro com Jesus Cristo, o Ressuscitado, que penetra misteriosamente todas as coisas. Esta inculturação deverá ter caráter social, que defenda os direitos humanos, pois Cristo quis identificar-se com os mais frágeis e pobres. Será uma espiritualidade centrada no único Deus e Senhor, que entra em contato com as expressões da vida diária.
Os sacramentos encontram caminho valioso para a inculturação da espiritualidade cristã na vida dos povos nativos, “pois nos sacramentos se unem o divino e o cósmico, a graça e a criação... A natureza é assumida por Deus e transformada em mediação da vida sobrenatural” (QA 81). É a plenificação da criação, especialmente na eucaristia, em que o Senhor quer chegar a nós através de um pedaço de matéria: “A eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação”. Podemos acolher na liturgia elementos da vida indígena: cantos, danças, ritos, gestos e símbolos.
A inculturação deve chegar também de forma encarnada na organização eclesial
e ministérios, pois devem estar a serviço de maior frequência da celebração da Eucaristia, mesmo nas comunidades mais remotas e escondidas. Há necessidade de ministros nativos que compreendam a partir de dentro a sensibilidade e as culturas amazônicas. “Não estejam privados do Alimento de vida nova e do sacramento do perdão” (QA 89). A eucaristia faz a Igreja e, como sacramento da comunhão, realiza sua unidade. Não se necessita somente de sacerdotes para suscitar vida nova nas comunidades, mas igualmente de diáconos permanentes, de consagrados/as, de lideranças leigas nos diversos serviços eclesiais: “Uma Igreja de rostos amazônicos requer a presença estável de responsáveis leigos, maduros e dotados de autoridade (QA 94).
A fé em muitas comunidades só foi possível pela presença de mulheres fortes e generosas que batizaram, catequizaram, celebraram, foram missionárias no Espirito. Deus quis manifestar seu amor sobretudo através de dois rostos humanos: de seu Filho divino e de uma mulher, Maria.“As mulheres prestam à Igreja a sua contribuição segundo o modo que lhes é próprio e prolongando a força e a ternura de Maria, a Mãe” (QA 101). A Amazônia carece de novos serviços e carismas femininos na organização, nas decisões e guia das comunidades, seja de estabilidade, de reconhecimento e de envio oficial.
Na Amazônia plurirreligiosa, os crentes precisam dialogar e, sobretudo, trabalhar e lutar juntos pelo bem comum.
Dom Aloisio Alberto Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul.