Caros diocesanos. Quem de nós gaúchos não lembra os tempos da infância, quando se cantava, na família ou na escola, o sonoro estribilho: “Chimarrão com água quente, numa cuia com bombinha, faz milagre e livra gente de qualquer indigestão. Chimarrão (3x)”. Muito cedo participávamos da roda familiar em que circulava, de mão em mão, a mesma cuia e a mesma bomba que passava por todos os adultos e, mais tarde, para as crianças, com direito a uma forte dose de açúcar. Sim, o chimarrão de erva-mate era como um sacramento de comunhão familiar.
Em tempos de Romaria da Terra, cercados pelo ambiente da erva-mate, é importante perguntar sobre a procedência dessa tradição, tão presente entre nós, até hoje. Sua origem remonta aos nossos irmãos indígenas, que habitavam o sul da América, em nosso caso, no Rio Grande do Sul e mais especificamente, também na atual Ilópolis = Terra ou cidade da erva-mate. Há vestígios de antigos povos indígenas por toda região. Foram estes nativos que nos deixaram como herança o uso desta planta para o chá, que chamamos chimarrão. Conhecida como Erva-mate e de nome científico Ilex Paraguaiensis, ela é nativa do bioma da Mata Atlântica. O uso vai desde o mascar até o o tomar como chá ou chimarrão. Os indígenas, ao prová-la, perceberam que ficavam mais dispostos com seu uso, considerando-o estimulante natural. Usavam porongos ou gomos de taquara, inserindo um caninho da mesma planta. Preparava-se a erva-mate a partir dos galhos da planta nativa, que eram sapecados pelo fogo e depois socados num pilão; e assim surgia o que hoje usamos: a erva-mate amplamente industrializada.
No município de Ilópolis/RS existem atualmente mais de trinta ervateiras ou agroindústrias de erva-mate da melhor qualidade, com ofertas do produto para todo país, tornando-se a principal economia da região. Outros municípios vizinhos seguem o mesmo rumo. A questão da cultura indígena e a produção de erva-mate, na esteira da agroecologia e da agricultura familiar, foram motivos fortes para que a 44ª Romaria da Terra fosse realizada nessa região do Estado, pois se tornam excelentes sinais de esperança, inclusive para os jovens que buscam uma vida agroecológica sadia e de promissor rendimento, permanecendo no interior e cuidando da mãe terra, nossa casa comum, segundo o Papa Francisco, o qual também gosta de um chimarrão brasileiro ou mate argentino.
Todos nós temos histórias interessantes para contar sobre o chimarrão, até o bispo as recorda. Sempre me impressionou a importância que se dava ao rito do tomar chimarrão na família, momento sagrado de encontro, de partilha de vida, com finalidades diversas. Visitar um vizinho se expressava com palavras simples e verdadeiras: “Vou tomar um chimarrão na tua casa, amanhã” ou “Vem tomar um chimarrão e fechamos o negócio da compra”. E outras semelhantes, em que “tomar um chimarrão” era sinônimo de “encontrar-se com as pessoas”. Em tempos de infância, ouvia falar que alguns agricultores mais pobres secavam a erva ao sol, depois de a terem usado, como forma de economia. Mas nunca imaginei que um dia eu mesmo o faria, quando estudava em Roma, onde a erva-mate era uma raridade para nós, gaúchos. Sim, a gente a secava e misturava com parte da erva nova para render mais e chimarrear por mais tempo numa cuia bem pequena. Também nunca imaginei que um dia eu iria comprar erva-mate em gramas, numa casa especializada de chás, na Alemanha. Foi nesse país que um dia alguém disse em sua língua: “Ihr, mit Eurem Spinatwasser!” (= Vocês, com vossa água de espinafre!)”.
Finalizando, sinto necessidade de agradecer aos irmãos indígenas por nos terem transmitido essa rica cultura do saboroso chimarrão. Boa romaria, na terra da erva-mate!
Dom Aloísio Alberto Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul