Caros diocesanos.
Certamente já nos é familiar que o tema da Campanha quaresmal de 2023 é
Fraternidade e Fome. Não podemos permanecer indiferentes diante de tantos
irmãos e irmãs que passam fome e não tem vida digna, sofrendo sérias
consequências no presente e no futuro, como acentuamos em mensagens anteriores.
Para a solução do problema da fome, não bastam ações ocasionais ou de ajudas de
emergência, por mais importantes que estas possam ser, mas é necessário
corrigir questões estruturais que provocam a constante situação de fome.
Nossa reflexão de
hoje vai ao encontro da Palavra de Deus para buscar luzes e indicar caminhos de
esperança. O lema da Campanha já interpela para soluções concretas, impelindo
para a consciência da partilha e da solidariedade: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14, 16). Já os profetas bíblicos
denunciam a falta de cuidado e responsabilidade por aqueles que não têm o pão
necessário. Já era central no judaísmo que o amor a Deus devia ser traduzido no
amor ao órfão, à viúva e ao estrangeiro. A atuação de Jesus também revela, por
palavras e gestos, sua predileção pelos pobres e famintos, como destinatários
urgentes para que tenham o necessário a uma vida digna. Esta é igualmente a
prática das primeiras comunidades cristãs, as quais se caracterizam pela
comunhão na fração do pão eucarístico (cf At 2, 42-46) e onde todos eram
corresponsáveis pelas necessidades mútuas. Um texto muito claro dessa relação
da eucaristia e o amor mútuo se apresenta na carta de São Paulo à comunidade de
Corinto (1Cor 11, 17-34): “A
despreocupação com as necessidades alheias invalida o reto propósito da
celebração da Ceia e, dentre tais necessidades, a mais evidente é a fome”
(TB, n. 124). No cristianismo, portanto, a misericórdia e o amor cristãos
impelem para a partilha do muito ou do pouco que se tem. O compromisso é de
todos.
O evangelho da
multiplicação dos pães, texto referencial para a Campanha da Fraternidade de
2023, tem como centro de ensinamento a ordem de Jesus, que conclama à
responsabilidade todos os seus discípulos: “Dai-lhes
vós mesmos de comer!” (Mt 14, 16). O ensinamento dado pela Palavra deve
levar à preocupação com o pão para quem não o tem.
Animados pela
Sagrada Escritura, é imperativo que tenhamos a coragem de assumir uma postura
profética diante da fome de tantos irmãos e irmãs: “O grande deserto da Quaresma pede de nós uma revisão crítica da vida,
que se faz em uma dimensão individual, olhando para nós mesmos e para nosso
relacionamento com o Senhor, mas que também se faz em uma dimensão relacional,
olhando para a forma como habitamos nosso mundo e nossa sociedade, a forma como
nos sentimos responsáveis pelos nossos irmãos” (TB, n.137). Dentro deste
contexto, é preciso também relacionar a eucaristia e a responsabilidade social.
A eucaristia não pode apenas conduzir a uma conversão individualista e
interior, sem considerar os que estão ao nosso lado. Ajuda-nos São João Crisóstomo
nesta reflexão: “Enquanto adornas a casa
do Senhor, não deixes o teu irmão na miséria, pois ele é um templo e de todos o
mais precioso” (TB, n.149). Da mesma forma recorremos à palavra de Bento
XVI: “A união com Cristo, que se realiza
no sacramento, habilita-nos também a uma novidade de relações sociais: a
mística do sacramento tem um caráter social, porque (...) a união com Cristo é,
ao mesmo tempo, união com todos os outros aos quais Ele se entrega” (TB,
n.151). E o Papa Francisco conclui: “Não
podes partir o Pão do domingo, se o teu coração estiver fechado aos irmãos. Não
podes comer este Pão, se não deres o pão aos famintos. Não podes partilhar
deste Pão, se não partilhas os sofrimentos de quem passa necessidade” (TB,
n. 154).
Dom Aloísio
Alberto Dilli – Bispo de Santa Cruz do Sul