Caros diocesanos. A geração pós-conciliar está habituada a ouvir que a liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja e a fonte donde emana toda sua força (cf. SC 10), portanto, primeira e mais necessária fonte de espiritualidade, pois ela torna presente o mistério pascal na realidade da vida humana, mesmo não sendo a única forma de vida espiritual (cf. SC 12). Nos tempos pré-conciliares, à medida que a liturgia foi deixando de ser a principal fonte da vida cristã, distanciando-se dos fiéis pelo limite da língua latina e outros, o Povo de Deus, impedido de participar ativa, consciente, frutuosa e plenamente, como reflete o Concílio Vaticano II (cf. SC 11, 21, 30...), foi encontrando, a seu modo, outras formas para expressar a fé e a vivência de sua espiritualidade. Estas apareceram através da história e tornaram-se modalidades de externar, com simplicidade e fervor espiritual, ao lado ou junto da liturgia oficial, a fé e o amor às Pessoas da Trindade, a devoção aos santos e às santas - especialmente à Virgem Maria - e outras expressões penitenciais, de louvor e de súplica. A dificuldade de entender a oração litúrgica fez o povo recorrer a fórmulas mais simples, sensíveis e repetitivas de oração. Dentro desse contexto, surgiram o Angelus, o Rosário (terço), a Via-Sacra e outras formas de devoção popular.
O Documento de
Aparecida apresenta a piedade popular como verdadeiro lugar de encontro com o
Senhor; sendo um precioso tesouro da Igreja católica latino-americana (cf. DAp
258-265): “É uma espiritualidade
encarnada na cultura dos simples, que nem por isso é menos espiritual, mas que
o é de outra maneira” (DAp 263). O Concílio Ecumênico Vaticano II
propõe que as práticas de piedade popular sejam harmonizadas com o Ano
litúrgico, a fim de que se inspirem na liturgia e a ela conduzam o povo cristão
(cf. SC 13). Toda espiritualidade cristã deve ter como centro o Mistério pascal
de Jesus Cristo. Portanto, as formas devocionais paralelas, ou as que sofreram
desvios, sejam purificadas e reorientadas conforme as indicações da Igreja.
Hoje abordamos
a oração do Angelus Domini (Anjo do Senhor), que tem sua
origem no contexto histórico, acima refletido. Constitui-se num pequeno Ofício Divino (Liturgia das Horas), de
forma popular, inspirado na devoção de São Francisco de Assis pelo mistério da
encarnação. Nele os três Salmos do Ofício
são substituídos por três Ave-Marias, motivadas pelo mesmo número de antífonas,
as quais recordam o evangelho da anunciação (cf. Lc 1, 26-39); seguindo o
versículo e a oração final. No Angelus
Domini contemplamos a atitude de fé
da Virgem Maria, e igualmente nossa, diante do mistério da encarnação. A oração
final do Angelus é uma síntese
admirável que liga o mistério da encarnação ao mistério da Páscoa. Os fiéis são
convidados pelo toque dos sinos a recitar esta oração de encontro com Cristo,
por Maria, três vezes ao dia: de manhã, ao meio-dia e no entardecer, permeando
o tempo diário com a oração. O Angelus
contém extraordinária riqueza, pois em cada versículo do mesmo contemplamos a
figura de Maria, integrada no plano salvífico, em profunda relação com a
Palavra de Deus. Afirma Paulo VI sobre o Angelus
Domini (Anjo do Senhor): “Sua
estrutura simples, o caráter bíblico, ... a abertura para o Mistério Pascal,
... fazem com que ele, à distância de séculos, conserve inalterado o seu valor
e intacto o seu frescor” (Marialis Cultus 41). É um belo exemplo de oração
popular que não quebra a sua relação com o espírito da liturgia. Dela procede e
a ela conduz.
Concluímos com
a invocação do rico versículo mariano do Angelus:
“Rogai por nós, Santa Mãe de Deus - para
que sejamos dignos das promessas de Cristo”.
Dom Aloísio Alberto
Dilli - Bispo de Santa Cruz do9 Sul