Caros diocesanos. Nossa condição humana revela fortes características peregrinas, pois vivemos a sensação de estarmos sempre a caminho, sem lugar definitivo ou de chegada. A filosofia nos ensina que a pessoa humana é um ser em devir (vir a ser), um ser em formação e transformação constante, nunca totalmente pronto. Não estamos definitivamente em casa, onde nos encontramos. De certa forma, nos sentimos estranhos, neste mundo, pois nossa verdadeira e definitiva pátria de fato é outra.
Em sentido teológico, vivenciamos uma saudade ou sede do infinito que Santo Agostinho (séc. V) soube expressar a Deus, com estas palavras: “Fizestes-nos para Vós e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Vós” (Confissões, I, 1, 1). Nossa referência máxima, enunciada por Jesus, é o próprio Deus: “Sede, portanto, perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48). Somente nele atingiremos a finalidade para a qual fomos criados, à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 27). Ele é nossa casa definitiva, morada perfeita no amor. Enquanto estamos a caminho, como santos e pecadores (cf. Or. Euc. V), nós temos como meta estar em Deus e Ele em nós. As cartas apostólicas seguidamente saúdam os cristãos como “migrantes e forasteiros” neste mundo (cf. 1Ped 2, 11), pois sua morada está nos céus (cf. Fl 3, 20): “não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da que está por vir” (Hb 13, 14).
Contudo, como atingir a vida eterna se toda pessoa humana traz escrito no mais profundo do seu ser o destino para a morte biológica, que gravita sobre a sua existência qual necessidade inevitável e como constante ameaça? O tema da morte atinge profundamente a pessoa humana, mais ainda em tempos de pandemia. A Igreja afirma: “Diante da morte, o enigma da condição humana atinge seu ponto alto... A semente da eternidade... insurge-se contra a morte” (GS 18). Em nós existe uma esperança de plenitude, que se choca com a situação do limite humano, criado pelo pecado, trazendo consigo a morte. Era então preciso uma redenção para tornar possível a vida eterna. Para os cristãos, esta redenção já foi conquistada por Jesus Cristo, esperando nossa adesão pela vida cristã coerente. Esta boa notícia do amor de Deus enche o ser humano de esperança e de alegria, ou seja: “Quem tem fé, tem futuro” (Bento XVI). Sem esta profissão de fé e prática consequente, os enigmas da vida e da morte tornam-se mistérios insolúveis.
Estamos no mês da solenidade da Assunção de Nossa Senhora (15 ou 16/08/20): Maria Santíssima elevada de corpo e alma ao céu. Só entenderemos esta celebração se a ligarmos à Páscoa de Jesus Cristo, pois a Assunção é fruto direto da Ressurreição. Como uma primeira ilustração de seus frutos no mundo humano. Maria é o símbolo da humanidade agraciada com o amor de Jesus Ressuscitado, que deseja levar atrás de si toda humanidade. Esta é também a nossa meta, que Maria alcançou, por pura graça, antes de nós. Ela foi a primeira a participar da glória do seu Filho; nós vivemos na esperança.
Esta teologia vai ajudar-nos a entender São Paulo quando diz: “Cristo ressuscitou dos mortos como o primeiro dos que morreram... Depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda” (1Cor 15, 20 e 23). O prefácio da Assunção nos ajuda a entender que somos Igreja peregrina: “Aurora e esplendor da Igreja triunfante, ela é consolo e esperança para o vosso povo ainda em caminho”. E no final da missa reza-se: “... Concedei-nos, pela intercessão da Virgem Maria elevada ao céu, chegar à glória da ressurreição”. A Assunção de Maria ao céu, de corpo e alma, aumente em nós a esperança de alcançarmos também a plenitude da vida humana, junto de Deus.
Dom Aloísio Alberto Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul.