Caros diocesanos. O Documento de Aparecida diz que “não pode existir vida cristã fora da comunidade” (DAp 278), inspirando-se nas primeiras comunidades cristãs para tal afirmação, pois elas se caracterizaram pela fraternidade e pela comunhão (cf. At 4, 32). A comunidade, portanto, faz parte normal e necessária da vida dos cristãos, pois está inerente à sua identidade. Deus criou o ser humano à sua própria imagem e semelhança, portanto o criou para a comunhão, chamando-o a entrar na íntima relação com Ele e para a fraternidade universal: “Essa é a mais alta vocação do ser humano: entrar em comunhão com Deus e com os outros, seus irmãos” (VFC 9). Dentro deste contexto, entenderemos o sentido etimológico da palavra “Igreja” como “convocação”, ou seja, a assembleia dos convocados pela Palavra de Deus para formarem o Povo de Deus reunido, que se alimenta com a Eucaristia, a fim de se tornar membro do Corpo Místico de Cristo, em que Ele é a Cabeça e nós, os seus membros (cf. CIgC 777 e 807). Como afirma o Concílio Vaticano II, a Igreja é o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano (cf. LG 775).
Ingressamos neste Povo de Deus a partir do nosso batismo, quando nos tornamos filhos e herdeiros de Deus e participamos de uma só família de irmãos e de irmãs em Jesus Cristo. Pelo sacramento da Crisma, confirmamos esta nossa fé e missão batismal de discípulos missionários numa comunidade concreta, na qual nos alimentamos sobretudo com o Pão da Palavra e o Pão da Eucaristia, desafiados a viver a nossa missão. Tudo isso podia ser normal até pouco tempo, quando fomos surpreendidos, junto com todo planeta, pelo Coronavírus Covid-19, que nos obrigou a um distanciamento social e, de certa forma, também comunitário, por tempo indeterminado. Isso não acabou nosso espírito comunitário e eclesial, mas nos obrigou a viver a fé e o espírito comunitário de outras formas, talvez não tão evidenciadas em outras épocas, consideradas normais.
Na experiência de reclusão em nossas casas e de dificuldades em nos reunirmos nas igrejas, foi necessário acentuar a presença do Senhor entre nós de outras formas, especialmente como Igreja doméstica, família orante, dando vida à palavra de Jesus: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali eu estarei, no meio deles” (Mt 18, 20). Entre os meios privilegiados de encontro com o Senhor, a Palavra de Deus recebeu destaque todo especial, pois é Deus mesmo que fala quando se leem as Sagradas Escrituras na Igreja (Cf. SC 7), tornando a Palavra viva, eficaz e eterna (Cf. Hb 4, 12; 1Pedr 1, 23). Através dela podemos encontrar-nos com Alguém, que tem identidade, rosto e nome: Jesus Cristo, o Verbo (a Palavra) que se fez carne e habitou entre nós (Cf. Jo 1, 14). Bento XVI afirma: “A Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela” (VD 3). O Senhor também se revela na caridade dos irmãos que se doam pelos outros, sobretudo os necessitados: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes pequeninos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40). Sim, é tempo de muita caridade!
Enquanto a pandemia perdurar, abramos as portas da fé ao Senhor sobretudo em nossas casas, pois Ele sempre deseja estar conosco. Intensifiquemos a experiência de Igreja doméstica, rezando juntos, ouvindo a Palavra de Deus, fortificando o espírito fraterno na família e ajudando os necessitados. Não será uma quarentena que tirará o nosso espírito fraterno. E quando o Covid-19 não mais ameaçar, voltemos saudosos e perseverantes aos nossos templos, onde seremos acolhidos pelo Senhor e pelos irmãos, na forma comunitária ideal, a que mais nos identifica como cristãos que se reúnem para ouvir a Palavra, alimentar-se da Eucaristia e fortificar a caridade fraterna na missão.
Dom Aloísio Alberto Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul